segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Fazer com que uma nação acreditasse ser o País do Futuro foi uma jogada de mestre para fazer do Brasil um País sem Futuro


Hoje que eu faço 32 anos me lembro da noite em que o Tancredo Neves morreu, me lembro do pavor do Collor perder para o Lula. Me lembro que meu irmão e eu fazíamos meus pais nos levar aos comitês dos candidatos para pegarmos adesivos, bandeiras e todo lixo de campanha – nós colecionávamos. Se a memória não me engana, havia a real esperança de que esse país tinha mesmo um grande futuro. Fiz parte dos caras pintadas, nas ruas, pedindo a cabeça do presidente. Saudosamente me lembro do Ulisses Guimarães e do Mário Covas – sempre os vi como referências que me garantiam que aquele papo de País do Futuro era real.

Mas a verdade é que eles ficaram no passado e o futuro nunca chegou. E nem vai chegar! Nos convenceram de algo que não existe. Enquanto esperávamos a era prometida chegar a nação foi tomada por brasileiros que fizeram nada mais nada menos o que qualquer brasileiro faria. E hoje vemos que, nunca antes na história deste país, fomos tão Brasil.

Eu não sou político e nem matemático mas se há pessoas que vivem com menos de um salário mínimo tem alguma coisa de errado na administração das cidades, estados e União brasileira! São BILHÕES de Reais que não resolvem qualquer problema. Você conhece uma cidade brasileira na qual UM dos principais problemas brasileiros esteja solucionado? Temos UMA capital em que de fato haja ou saúde ou transporte público de qualidade ou segurança ou educação – ou qualquer coisa que o dinheiro que damos ao governo deveria realizar? Temo que não exista!

O Brasil cresceu menos do que qualquer país na América Latina ou qualquer BRICS. Não somos um país, mas um rebanho. É mais do que óbvio que há algo de muito errado no Brasil. Já éramos o País do Futuro e a Alemanha estava devastada pela II Guerra e hoje, quem dá as cartas na Europa?

Quando vejo mais uma chacina como a dessa semana no Rio tenho náuseas. Especialmente por saber que logo mais algo do tipo vai acontecer de novo. No Estado de São Paulo foram 70 policiais militares mortos no ano – até agora. Todos nós vimos isso no Fantástico, nos entristecemos e mudamos de canal.

Enquanto nós, brasileiros, não fizermos algo muito radical – pararmos o país, boicotarmos eleições, darmos prazos aos nossos funcionários mais caros (os bandidos a quem damos poder) – vamos continuar na espera de um futuro distante. Até lá, viveremos essa guerra civil não declarada, sem educação, saúde, segurança. Nossos queridos – ou apenas iguais – serão mortos, abandonados e explorados. Mas talvez agora não seja a hora de falarmos disso. Afinal, temos Copa do Mundo e Olimpíadas a caminho – e vamos combinar que precisamos pressionar o Mano Menezes, porque ainda não temos um camisa 9 e nem um goleiro decente!

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Sucesso pouco é bobagem

Compor uma música não é fácil. Ainda mais quando sua última criação ricocheteou em todos os cantos do Brasil, até mesmo nos reconditórios mais folclóricos do Acre, onde habitam seres como o Mapinguari e o Gogó de Sola, e o Boto é apenas um tio que faz compras no mercado. Ele agora queria mais. Queria deixar de ser um paralelo a Cristal Kay e Remmy Ongala e ganhar a América Latina, quem sabe também os Estados Unidos, alcançando ares e holofotes de uma versão masculina de Shakira. Ou melhor, Jeniffer Lopez. Tinha certeza que poderia atuar na frente das câmeras com o mesmo talento e desenvoltura que colocavam multidões para dançar em exposições agropecuárias, rodeios e nos mais variados eventos dedicados à produção das angiospermas e similares, como as festas da uva, do morango, da vitamina com leite e do artesanato de frutas de cera.
Por isso, dessa vez, era mais difícil. O sucesso anterior, embalado em uma batida contagiante e de harmonia clean, com poucos instrumentos musicais e grande destaque à sua voz característica, pegou rápido e certeiro como bote de sucuri e, adubado por um vídeo na internet, cresceu a um resultado mais espantoso do que os feijões de João no tempo do rei Alfredo. Os grãos de Phaseolus vulgaris da carochinha, aliás, são uma excelente metáfora também por sua instantaneidade. Naquela ocasião, ele levou apenas 15 minutos para conjurar letra e música, num insight digno de Newton e sua macieira.  Agora, já se iam 37 minutos e nem uma palavrinha havia sido deitada no papel.
Começou a procurar, ao menos, por temas. Voltou à infância no interior, onde a família com sete filhos vivia em uma casa simples, sem televisão ou camisinha. O pai, o seu Oliva, sustentava a todos seus rebentos – os oficiais, pelo menos -, cortando cana-de-açúcar e sempre trazia alguns gomos para casa, que eram sumariamente dizimados pelas crianças após as humildes refeições. Avançou um pouco a memória para o evento que mudaria para sempre as finanças familiares, dando condições de botar mais víveres na mesa e duas novas crianças no mundo.
Por obra de um irmão de seu Oliva, que lhe inflou de maneira indefessa a bolsa que abriga os lares esferoides de girinos unicelulares, a família se mudou para o litoral. Assim o chefe de família se juntou ao irmão no trabalho de estivador. Mas diferença mesmo fez o fato de dona Oliva sair de casa, já que os mais velhos podiam cuidar dos mais novos e os mais novos cuidar do fogão para o almoço e o jantar, para fazer um curso rápido e engrossar as fileiras dos novos soldadores da recém-aquecida indústria naval brasileira. Logo ela ganhava mais que o marido e toda a família saiu ganhando. O primogênito, Olivinha, saiu também cantando. Revelou uma imensa sagacidade para rimas óbvias e logo estava criando seus primeiros versos triviais.
A brincadeira logo ganhou ares de trabalho – lúdico, mas trabalho – quando ele começou a fazer apresentações em festas de amigos, e então de amigos de amigos, para conhecidos de amigos de amigos. Foi numa dessas festas que gravou o vídeo com sua extraordinária música, que seria em breve reconhecida por todo o país e tocaria em todos os tipos de festa, de qualquer classe social, remexendo corpos de todas as idades.
Lá se ia uma hora e nada de ideias. Nada. Até que, de inopino, saiu nu e aos berros, como Arquimedes. Ou melhor, aproveitou só a outra parte da história do multifacetado cientista e teve uma ideia bárbara num relance. Em poucas palavras resumiu toda a sua infância carente, desde os gomos de cana do pai aos navios petroleiros amalgamados pela mãe, e fez os versos que comporiam sua nova obra notável. Ou melhor, o verso. Só precisava de um.

Se quer chupar (cana) vem comigo navegar.

O sucesso do novo funk seria certeiro como feijões mágicos. Se não Phaseolus, indiscutivelmente vulgaris.

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Com tanta musa pelo mundo - e uma delas sob meu teto - seria improvável e é até irônico dizer quem me serviu de inspiração. Woody Allen. O velhote que é um dos maiores frasistas do mundo ou da história - ainda discute-se no debate entre eu e eu mesmo - me recheou a ideia de cabeças quando eu reli "Fora de Órbita" (o livro que contém o texto homônimo). No caderninho que deixo na cabeceira da cama brotaram vários rascunhozinhos e o que não germinou lá saiu direto para o Word e então para cá. Logo logo tem mais, na mesma linha. Obrigado Woody.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Daniel, mas voz de Guilherme e cara de... André?



Eu tenho cara de André. Não é possível outra explicação.
Não posso dizer que perdi as contas porque nunca contei, mas a verdade é que as vezes que me chamaram de André são incontáveis.
Pode até acontecido, vez ou outra, de terem me chamado de Danilo ou Astolfo, sei lá. De Mr. Martins ou de Cardoso também. Mas nada que chegasse nem minimamente perto das vezes que me chamaram de André, nas mais diferentes situações. Alguns chegaram a insistir no André. Nesses casos, passei a nem corrigir. Uma hora a pessoa percebe.
Entre todas essas vezes, uma delas me marcou bastante. Também, pudera: quem me chamou de André foi...
...
...
...a Maitê Proença.

Começou com uma entrevista feita por telefone para noticiar a passagem de sua peça "Achadas e Perdidas" pela cidade. Mas, pelo telefone, ela não me chamou de André. Aliás, nunca me chamaram de André pelo telefone, o que reforça que eu tenho cara de André.
Por telefone, ela disse que eu tinha voz de Guilherme.
Não de qualquer Guilherme, mas do Guilherme de Almeida Prado, cineasta, com quem ela trabalhou em "Onde Andará Dulce Veiga?". E não era só a voz. Era o jeito de falar, de entoar as frases, era o próprio cineasta falando, segundo ela.
Ok. Conversamos e eu criei o texto em cima desse bate-papo, sem ficar naquele batidão de "olha, a peça vem aí e será apresentada nos dias tal e tal". Claro que fui assistir à montagem. Depois da peça, ela iria autografar alguns livros, ali no saguão do teatro mesmo. Comprei o lançamento "Entre os Ossos e a Escrita" e entrei calmamente na fila, numa das últimas posições, sem qualquer tipo de identificação de quem eu era. Quando chegou minha vez, só disse um "boa noite, Maitê". Ela arregalou os olhos e disse:
- Você! É André, não é? O repórter?
Eu disse que era Daniel, mas que era eu mesmo. Ela autografou o livro para mim e para a Maira, com quem era casado na época e que estava comigo.
Sinceramente, não me importei por ela ter me chamado de André.
O que me importou mesmo é que ela gostou do meu texto.


terça-feira, 25 de outubro de 2011

A Saga dos Filmes - parte 1



Eu já tinha contado aqui que decidi ver todos os ganhadores do Oscar de Melhor Filme desde 1940, quando o vencedor foi ...E o Vento Levou. A saga começou e três etapas foram vencidas. Facilmente, quero ressaltar.

Não adiantava, entretanto, ver 72 filmes sem fazer um registrinho acurado da coisa, atribuindo também uma nota de 1 a 5. Então aqui está a primeira leva, com os três primeiros. Vou tentar ser breve.

O Poderoso Chefão
Eu ia priorizar os filmes que ainda não vi. Mas, convenhamos, a cada vez que se vê O Poderoso Chefão há algo novo para descobrir. É quase como se fosse a primeira vez. E mesmo foi a primeira depois de eu ter começado a ler o livro que inspirou o longa. Aí se tem uma ideia um pouco melhor da grandiosidade desse filme, ao ver páginas e páginas transformadas em alguns minutos de película com a mesma carga de enredo, força e emoção. A direção seria fantástica por si só, mas quando se sabe que o filme quase não existiu, de todas as dificuldades da produção, entende-se como tudo conspirou para que nascesse essa obra prima. Assista sem sono. É preciso pegar todos os diálogos.

Ponto forte
Quase tudo é ponto forte, mas fiquemos com Brando e Pacino, fantásticos.
Ponto fraco
Só um, mínimo. O ator que faz Al Neri (o nome do personagem não é mencionado) não lembra, nem de longe, o que poderia ser o "novo Luca Brasi", nas palavras de Tom Hagem (a frase também não é falada no filme). A pose que ele faz pra matar Barzini é horrenda.
Nota: 5/5

Casablanca
Por que se fala tanto nesse filme? Porque ele merece. Vi pela primeira vez esta semana e perdi as contas de quantas cenas me fizeram ter vontade de aplaudir. As palavras escorrendo com a chuva num bilhete desolador. "La Marsellesa" sendo entoada quase como um ato heroico de guerra. Algo como o número 22. "As Time Goes By", a cada vez que soa. Há muito mais. Incrível como Bogart consegue ser tão expressivo... sem fazer quase. Incrível a simplicidade de rara beleza no sorriso de Ingrid Bergman. É difícil ter só um filme preferido, mas se o posto era ocupado pelo que está ali em cima, agora Casablanca, no mínimo, empatou. Preciso assistir mais algumas vezes.

Ponto forte
Roteiro magnífico e diálogos brilhantes.
Ponto fraco
Cadê? até agora, não achei.
Nota: 5/5

Os Imperdoáveis
Western é um gênero pouco presente em minha vida. Nunca vi nada dos antigos. Mas o que posso dizer é que esse é uma realização de Clint Eastwood. Tem a cara dele. Um boa história, bem contada, bem roteirizada. Tem uma grande atuação de Gene Hackman, que levou, aliás, a estatueta de ator coadjuvante. Merecido. Gosto mais do personagem dele do que o do próprio Clint Eastwood. Little Bill (interpretado por Hackman) tem as melhores frases do longa e não por acaso o escritor da trama fica fascinado pelo xerife.

Ponto forte
A cena de abertura já me ganhou, mas os detalhes na trama fazem a diferença (a miopia, a falta de talento na carpintaria, "bilhar no andar de cima").
Ponto fraco
O ritmo. Lento, acaba ficando um pouco arrastado para 2h10 de filme.
Nota: 4/5

Em breve tem mais.
Ainda estou com bastante vontade de ver Carruagens de Fogo. Conduzindo Miss Daisy e ..E o Vento Levou devem estar entre os próximos.

[Off-topic da semana]
Claro que vejo outros filmes além dos ganhadores do Oscar. A menção honrosa dessa semana vai para Máfia no Divã, que tem diálogos arrebatadores. Uma comédia de primeira grandeza. Aliás, que tem uma reprodução muito legal da cena em que Vito Corleone é baleado em O Poderoso Chefão (e vale lembrar que Robert de Niro, que representa o mafioso Paul Vitti, levou o Oscar de melhor ator coadjuvante ao interpretar o próprio Vito Corleone quando jovem  - ambos, de Niro e o padrinho eram jovens -, no segundo filme da saga).

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O que eu faço no trabalho

É difícil explicar.
Talvez porque eu trabalhe no limbo, no lado oculto e desconhecido da internet, que parece tão real quanto o outro lado do espelho, mas invisível para 99% das pessoas que eu conheça e talvez até mais que isso entre as pessoas que você conheça. Não é fácil explicar o que eu faço no trabalho, mas, em casos assim... sempre cabe uma analogia.

***
Seu carro morre, você dá partida e nada. Nada. Por sorte você conseguiu encostar. Por mais sorte ainda, você contratou um serviço que promete trazer alívio em casos assim. Não é um seguro. É outra coisa. É um suporte para situações adversas nas quais seu possante 1.0 te deixa na mão.
Mas cadê o telefone do pessoal desse serviço. Você não sabe onde guardou o cartão e talvez até não esteja totalmente seguro do nome da empresa que você contratou. Ainda pensando no que vai fazer, seu celular toca.

- Senhor Paulo Tangerina, aqui é o Joe Gameleira, da AutoServiços Proativos, tudo bem? Nosso sistema de monitoramento recebeu um alarme que seu carro parou e eu gostaria que o senhor soubesse que já estamos investigando. A propósito, o carro tem combustível?

Você responde que sim, meio tanque, impressionado até a tampa com a ligação. Ele continua.

- Ok, então eu vou engajar a oficina contratada para lhe prover o serviço para que eles façam uns testes. Logo eu já volto com novidades. 

Você espera um tempinho, olhando para os lados esperando ver um carro da oficina chegando, mas seu telefone toca de novo. 

- Senhor Tangerina, é o Gameleira de novo. O senhor pode dar partida, por favor?

Você pensa em dizer que ninguém fez nada, mas acha melhor dizer isso depois de ter dado partida. Para a sua surpresa, o carro pega.

- Voltou, né? Olha, a oficina fez uns testes remotos no seu carro e percebeu que era a bateria. Remotamente mesmo ela deu uma carga pra que você possa andar. Mas a gente precisa marcar logo uma janela pra substituir essa peça porque ela vai voltar a dar problema, numa hora em que você não for usar o carro. 

Você marca a tal janela pra mais tarde, resolve as coisas mais urgentes e, na hora combinada, o pessoal da auto-elétrica aparece na sua casa pra trocar a peça defeituosa. Tudo está resolvido.

***
Na rua de trás, Flávia Gulabi, outra cliente do serviço, vai sair de casa, mas nota que seu pneu está furado. Quase imediatamente, Jean-Charles Azteca a aborda com um cartão e uma chave.

- Dona Flávia, sabemos que você não pode ficar carro e, como seu contrato prevê um reserva, aqui está a chave. A troca do pneu é até rápida, mas já vamos fazer uma geral pra ver se tudo está mesmo ok. Enquanto isso, use o reserva, que não é tão confortável quanto o seu, mas resolve seu problema.

***
     Agora, vamos substituir: uma empresa tem escritórios espalhados pelo mundo (imagine que cada um é um carro!) e, quando um deles tem um problema em sua conexão com o mundo virtual (que também liga um escritório ao outro), aparece um alarme lá no meu computador (como o da AutoServiços Proativos!)
     Nesse momento, eu começo a investigar o que está acontecendo, antes mesmo do cliente reclamar que está sem internet ou ligação com outros sites. Posso descobrir, por exemplo, que a rede do cliente caiu porque ele está sem energia (combustível!) no site. 
     Em outros casos e, se for preciso, eu já engajo a operadora do cliente (a oficina!) que pode fazer testes remotamente para descobrir o que houve e solucionar o problema.
     Podemos também mandar um técnico no local para trocar um cabo ou alguma peça (bateria!), combinando sempre um horário que não vá impactar (ou pelo menos não tanto) o trabalho do cliente. 
     Por fim, muitos sites tem um link redundante para se ligar ao mundo virtual (o carro reserva!), que pode não ser tão rápido quanto o original, mas quebra um galho. E, quando eu falo mundo virtual, não estou me referindo exatamente à internet, mas ao que é chamado de nuvem (já ouviu isso?), um amontoado de cabos e equipamentos de nomes estranhos espalhados pelo mundo em salas bem fechadas e frias (essas coisas esquentam), que funcionam direitinho pra você, de qualquer lugar do mundo (talvez não na China) entrar no Face, ver vídeos toscos no YouTube, ler essas balelas e abobrinhas. Quer dizer, nem sempre funcionam direitinho. E é aí que precisam atuar pessoas que trabalham com o que eu trabalho.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Baseado em uma história que poderia ser a sua!

Oiráto chega frustrado e desolado em sua casa, joga-se em sua cama e materializa sua revolta em lágrimas urros, socos e contorções. Sua honra ficara a alguns quarteirões de distância – ele acabara de chegar de uma audiência. Uma história não muito complicada que o fez perder a esperança e a alegria.

Sim, Oiráto era um rapaz de uma família boa, recebera boa educação. É bem verdade que fez escolhas erradas em sua vida. Nos últimos tempos ele sentia como se anos de sua vida tivessem sido desperdiçados. Mas honestidade, lealdade, compromisso com a verdade sempre pautaram seus dias. O mês que se estava por terminar marcava um recomeço em vários sentidos para Oiráto. Contudo, este dia amanheceu. E lá estava Oiráto, sentado diante de um jovem arrogante vestido com uma capa muito mais feia do que a do Batman e uma cordinha roubada da cortina da casa de alguma avó – o juiz de direito. Este sujeito se parecia com aquele garoto que sempre fora zuado na escola, que nunca era convidado para as festinhas e, constantemente era escalado como gandula nas partidas de futebol – ou de qualquer outro esporte – nas aulas de educação física.

Com uma franja rebelde e mal penteada, Odipútse, em suas primeiras palavras já demonstrou que aquelas seriam horas das quais Oiráto jamais se esqueceria. Não era a toa que Odipútse estava com aquela fantasia. Ele colocava um ponto final nas discórdias entre os cidadãos de Atsob. Oiráto nunca tivera muito sucesso em Atsob, justamente por isso resolvera se mudar de lá. Mas, seguindo as regras de seu país, Oiráto compareceu à audiência. Ele não encarava aquele que o colocara no banco dos réus – o pai do Darth Vader. Era isso ou vomitar. Oiráto não era culpado pelo incidente que o trazia aquele lugar. Na verdade, até o discurso de Odipútse ter início, Oiráto sentia-se muito confortável, pensando apenas no que iria fazer pra aproveitar seu dia de folga depois de toda aquela chateação.

Apesar de ter se arrependido de tantas coisas em seu passado, Oiráto era um rapaz estudado, até mesmo com algumas experiências internacionais. Sua vida acadêmica e profissional era incomum contudo, interessante. Mas que valor há nisso quando se tem um representante da justiça divina, adequadamente aparamentado no exercício de suas des (cof cof) funções? Oiráto nunca tinha exagerado nas brincadeiras com os losers da escola. Mas que diferença isso faz? Naquele momento alguém ia pagar e Odipútse, de antemão, já decidira que esse alguém seria Oiráto!

Pode parecer espantoso, mas Oiráto era um especialista em retórica. Ele entendia e sabia muito bem como preparar e expor um discurso. Mas não era amigo do Batman e sua avó vivia constantes jornadas entre sua casa e o hospital – quem teria coragem de roubar uma parte das cortinas de uma velhinha assim? Por incrível que pareça, há mais ou menos um ano Oiráto conhecera alguém capaz de fazer isso – o pai do Darth Vader.

O fato era que as palavras de Odipútse eram intermináveis. Oiráto já não sabia que horas eram. Não há dúvidas que ele preferia uma tortura física ao que via e ouvia. Mas o próprio Odipútse já informara o pai do Darth Vader de que isso não seria possível. Diante do que se passava, Oiráto compreendia que Odipútse não queria mais um livrinho em sua estante e tentava de qualquer modo colocar um preço em sua honra – ou você faz um acordou ou corre o risco de superfaturar sua honra. “Ah, eu devia ter jogado na mega-sena semana passada”, lamentava Oiráto. “Nesse país a honra tem preço!” Essa era uma verdade que seria aprendida ali em questão de alguns minutos.

Injustiça seja feita e, em menos de duas infindáveis horas, Oiráto tinha vendido sua honra. Não porque ele não a prezara, mas porque não podia correr o risco de vê-la sendo usurpada a um preço impagável – para ele, rapaz de boa família e de valores (não monetários) que na prática, não valem nada.

Outras coisas foram aprendidas naquele dia calorento. Uma delas é que a justiça é um ótimo negócio. Oiráto aprendeu – a custo de tiras e tiras de seu lombo – que em seu país é legalmente possível prejudicar alguém e ainda ganhar uma mesada mensal daquele que você fez de bobo.

Acalme-se! Os valores de Oiráto não foram abalados! Quem sabe a honra seja como uma parede a qual se possa erigir novamente. É evidente que Odipútse subestimou sua capacidade intelectual e tratou Oiráto como um otário! Tão evidente quanto os conflitos que Odipútise tinha face a face com um Homem. Claramente o pobrezinho via em sua frente os meninos chatos que o chacoteavam na infância.

Ao final, resta amadurecer! Especialmente quando Oiráto encontra nas palavras do iletrado o conforto irracional: mais tem Deus pra dar que o diabo (ou o Odipútse... ou o pai do Darth Vater) pra tirar!