Compor
uma música não é fácil. Ainda mais quando sua última criação ricocheteou em
todos os cantos do Brasil, até mesmo nos reconditórios mais folclóricos do Acre,
onde habitam seres como o Mapinguari e o Gogó de Sola, e o Boto é apenas um tio
que faz compras no mercado. Ele agora queria mais. Queria deixar de ser um
paralelo a Cristal Kay e Remmy Ongala e ganhar a América Latina, quem sabe
também os Estados Unidos, alcançando ares e holofotes de uma versão masculina
de Shakira. Ou melhor, Jeniffer Lopez. Tinha certeza que poderia atuar na
frente das câmeras com o mesmo talento e desenvoltura que colocavam multidões
para dançar em exposições agropecuárias, rodeios e nos mais variados eventos dedicados
à produção das angiospermas e similares, como as festas da uva, do morango, da
vitamina com leite e do artesanato de frutas de cera.
Por
isso, dessa vez, era mais difícil. O sucesso anterior, embalado em uma batida
contagiante e de harmonia clean, com
poucos instrumentos musicais e grande destaque à sua voz característica, pegou rápido
e certeiro como bote de sucuri e, adubado por um vídeo na internet, cresceu a
um resultado mais espantoso do que os feijões de João no tempo do rei Alfredo.
Os grãos de Phaseolus vulgaris da
carochinha, aliás, são uma excelente metáfora também por sua instantaneidade.
Naquela ocasião, ele levou apenas 15 minutos para conjurar letra e música, num insight digno de Newton e sua macieira. Agora, já se iam 37 minutos e nem uma
palavrinha havia sido deitada no papel.
Começou
a procurar, ao menos, por temas. Voltou à infância no interior, onde a família com
sete filhos vivia em uma casa simples, sem televisão ou camisinha. O pai, o seu
Oliva, sustentava a todos seus rebentos – os oficiais, pelo menos -, cortando
cana-de-açúcar e sempre trazia alguns gomos para casa, que eram sumariamente
dizimados pelas crianças após as humildes refeições. Avançou um pouco a memória
para o evento que mudaria para sempre as finanças familiares, dando condições
de botar mais víveres na mesa e duas novas crianças no mundo.
Por
obra de um irmão de seu Oliva, que lhe inflou de maneira indefessa a bolsa que
abriga os lares esferoides de girinos unicelulares, a família se mudou para o
litoral. Assim o chefe de família se juntou ao irmão no trabalho de estivador. Mas
diferença mesmo fez o fato de dona Oliva sair de casa, já que os mais velhos
podiam cuidar dos mais novos e os mais novos cuidar do fogão para o almoço e o
jantar, para fazer um curso rápido e engrossar as fileiras dos novos soldadores
da recém-aquecida indústria naval brasileira. Logo ela ganhava mais que o
marido e toda a família saiu ganhando. O primogênito, Olivinha, saiu também
cantando. Revelou uma imensa sagacidade para rimas óbvias e logo estava criando
seus primeiros versos triviais.
A
brincadeira logo ganhou ares de trabalho – lúdico, mas trabalho – quando ele
começou a fazer apresentações em festas de amigos, e então de amigos de amigos,
para conhecidos de amigos de amigos. Foi numa dessas festas que gravou o vídeo
com sua extraordinária música, que seria em breve reconhecida por todo o país e
tocaria em todos os tipos de festa, de qualquer classe social, remexendo corpos
de todas as idades.
Lá
se ia uma hora e nada de ideias. Nada. Até que, de inopino, saiu nu e aos
berros, como Arquimedes. Ou melhor, aproveitou só a outra parte da história do
multifacetado cientista e teve uma ideia bárbara num relance. Em poucas
palavras resumiu toda a sua infância carente, desde os gomos de cana do pai aos
navios petroleiros amalgamados pela mãe, e fez os versos que comporiam sua nova
obra notável. Ou melhor, o verso. Só
precisava de um.
Se quer chupar (cana) vem comigo
navegar.
O
sucesso do novo funk seria certeiro como feijões mágicos. Se não Phaseolus, indiscutivelmente vulgaris.
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Com tanta musa pelo mundo - e uma delas sob meu teto - seria improvável e é até irônico dizer quem me serviu de inspiração. Woody Allen. O velhote que é um dos maiores frasistas do mundo ou da história - ainda discute-se no debate entre eu e eu mesmo - me recheou a ideia de cabeças quando eu reli "Fora de Órbita" (o livro que contém o texto homônimo). No caderninho que deixo na cabeceira da cama brotaram vários rascunhozinhos e o que não germinou lá saiu direto para o Word e então para cá. Logo logo tem mais, na mesma linha. Obrigado Woody.