Ela brincava com os cubos de gelo em seu copo como se o mundo ao seu redor tivesse congelado. Isso logo depois daquele ruído característico das últimas gostas de suco que se esforçam para entrar túnel acima.
Naquele momento, seu universo se resumia ao copo e seu conteúdo: uma meia dúzia de pedras geladas e o canudo, instrumento da brincadeira. Talvez pensasse em milhares de coisa da faculdade, nos romances, na perspectiva de fim de ano em família e suas recorrentes alegrias e chateações, na festa de formatura e com quem iria dançar a primeira valsa. Talvez pensasse tanto que, por fim, pensava exatamente em nada, tamanha a concentração em sua distraída brincadeira.
Não percebia que atraía alguns olhares, certamente maliciosos, enquanto esticava os dedos e tentava alcançar uma das pedrinhas. Alguns desses olhares, agora, já haviam se desviado ligeiramente e pousado sobre o celular acomodado sobre a mesa, um celular decorado com adesivos e outros adornos infantis, mas repleto de números de rapazes que conheceu e SMSs recebidos.
Já havia apagado os torpedos dos que tentaram, mas nem chance tinham. Também eliminou as mensagens dos que conseguiram e lhe decepcionaram. Não eram muitos, mas suficientes. Conservava apenas dois tipos: os carinhosos que relia com um sorrisinho de canto de boca, sinal incontestável de polimento no ego, e os que ainda representavam uma perspectiva, oriundos de um ou outro rapaz que precisava insistir. Insistir bem mais. Ela gostava de fazer aquele charme. Gostava de falar que hoje não podia. Se deliciava em estar disponível e inalcançável concomitantemente. Se alimentava das novas investidas.
Alcançou uma das pedras. Puxou com cuidado pelas paredes do copo até a borda e a segurou entre os dedos. Levou-a lentamente em direção à boca, abrindo sutilmente os lábios, agora em um desenho circular. Mas o gelo nem chegou a tocar-lhe a face. Seu gesto, que já provocava alguns suspiros jubilosos em observadores atentos, fora interrompido pelo toque do celular, uma música romântica em inglês cujas palavras desconhecia, mas à melodia adorava. Com a pedra parada no ar, as gotas lhe escorrendo pelos dedos, atendeu à chamada com a outra mão. Trocou poucas palavras. Fechou o flip, despediu-se dos outros ocupantes da mesa e, antes de partir em passos firmes rumo à porta, displicentemente deixou que o gelo caísse no copo, derretendo as expectativas dos olhares ao redor.
Um comentário:
Querido Daniel,
Sutil e transparente como um gelo em um copo.
bjo
juh
Postar um comentário