sexta-feira, 23 de novembro de 2007

On 2


Quando Cláudia pisou pela primeira vez, exatamente às 23h36, no salão principal de baile do 5º Congresso Mundial de Salsa, percebeu que não iria dançar muito. Sim, ali 98% das pessoas dançavam. Para ela, entretanto, dançavam bem demais. Ela se sentiria encabulada de pisar na pista com apenas 6 meses de aula.
— Demais, né?, diz Carla, a amiga, sem perceber a decepção de Cláudia.
— É...

Era o baile de abertura do evento. Cláudia esperava que nos três dias subseqüentes aprendesse pelo menos um pouco em cada jornada de seis horas diárias de aulas, para poder se divertir o mínimo no baile de encerramento.
As duas não sabiam para onde olhar. O salão todo era tomado por casais que dançavam muito, com o corpo todo, salsa dos pés à cabeça. Era bonito de se ver. Ao mesmo tempo em que estava frustrada por saber que pouco dançaria nos bailes, Cláudia encarava tudo como um estímulo para aprender. Queria dançar daquele jeito.
Tão absorta estava nesses pensamentos que, num primeiro momento, ignorou sem querer um rapaz de chapéu pequeno que a convidava para dançar. Saindo do transe, se deu conta do convite, na segunda tentativa do rapaz.
— Ah... eu não sei muito...
— Mas a gente dança o que você souber, disse o rapaz, com um sorriso.
Cláudia buscou o olhar de Carla, que parecia dizer algo como: "Vai, aproveita, o cara é um gato e se você não aceitar eu te mato, aceita logo, sua boba".
Aceitou. Nervosa, começou a dançar antes dele, sem esperar condução. Ele deu uma risadinha e acertou com o passo dela, que estava mesmo no ritmo. O rapaz do chapéu começou de manhã e a conduziu para um "crossbody lead", um passo simples. Ela foi bem. Quando percebeu, Cláudia estava fazendo alguns passos que nunca havia feito. O parceiro conduzia com firmeza, sem precisar de força.
A música acabou e eles pararam pra conversar. Se apresentaram. Ele se chamava Renato e era de Florianópolis. Ela contou que viera de Belo Horizonte.
Nos dias que se seguiram, Cláudia realmente aprendeu alguma coisa. E toda noite tentava explicar a Renato, a quem invariavelmente acabava encontrando no salão, o que tinha aprendido. Ele conduzia para coisas diferentes, e ela correspondia. Enquanto não dançavam, conversavam, e um clima de flerte se estabeleceu pouco a pouco. Ninguém estava ali, afinal, pra paquerar, mas para aprender e dançar. A paquera surgiu naturalmente, quase sem querer, e foi render fruto na parte final do baile de encerramento.
Cláudia e Renato sentaram no chão para acompanhar a final do Brasil Salsa Open, fase nacional do maior campeonato do ritmo no mundo. A esta altura, Carla já havia dado um jeito de ficar com novos amigos para não atrapalhar o possível casal. Enquanto esperavam pelo início das apresentações, entre esquetes bem humoradas apresentadas por um salseiro aposentado que resolvera investir de vez na comédia, saiu o primeiro beijo. Era impossível afirmar de quem partira a iniciativa.
Terminadas as apresentações e a quase eterna enrolação para divulgar o casal vencedor do campeonato, Cláudia e Renato sentiram que era hora de despedidas. A noite havia sido ótima, mas ele precisava voltar para o hotel e terminar de fechar a mala. Seu vôo para Florianópolis partiria de manhã bem cedo. Com um longo beijo, se separaram, levando em seus celulares não só o telefone, mas os contatos de internet.
De volta com Carla, Cláudia pegou um táxi para o hotel. Só acordou no horário limite para tomar o café-da-manhã, terminou de empacotar as coisas, fez o check-out e foi para Congonhas. Sentada em sua poltrona, consultou a agenda do celular e viu o contato "Renato - Salsa" antes de desligar o aparelho para o vôo. Pousando em BH, já pensava se haveria um e-mail do rapaz de chapéu em sua caixa de entrada. Teve uma sensação parecida como a do primeiro baile, aquela de quem esperava mais do mundo.
Depois de identificar sua mala entra as outras dezenas de bagagens de cor preta, resolveu carregá-la sem a ajuda de um carrinho, enquanto ligava o celular com a outra mão, esperando um SMS de Renato. O aparelho apitou. Era mesmo uma mensagem dele, breve e simples.
"Adorei te conhecer. Espero te ver de novo em breve".
No táxi, ela responderia que também havia adorado conhecê-lo e que dariam um jeito de se ver de novo.
Deixando a área de desembarque, ouviu uma voz atrás de si.
— Posso te ajudar com a mala.
Olhou para trás, mas não viu de primeira o rosto de quem ofereceu a gentileza. Sua cabeça estava abaixada e sua face coberta pela aba de um pequeno chapéu. Era Renato. Ele levantou a cabeça e deixou que seus olhos encontrassem com os de Cláudia.
— Consegui mudar minha passagem. Queria muito passar mais um tempo com você. Amanhã de manhã eu volto pra Floripa.
Como a garota não falava nada, ainda assimilando a surpresa, ele completou.
— E então, vamos dançar?
— Com certeza.
E se agarraram em um beijo tão intenso que, para quem olhasse, pareciam dois namorados apaixonados de muitos anos, que não se viam há um bom tempo.

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