sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Olhos nos olhos


Achou melhor engatar ré para ficar com o rosto à sombra, mas a marcha não entrou.
Olhou para o câmbio e percebeu que, no carro da amiga, o movimento era diferente do que fazia no seu. Engatou, deu ré devagar e viu a sombra da árvore, projetada pela luz do poste, cobrir lentamente o painel do carro. Desligou o motor e aguardou. Enquanto isso, checou no retrovisor o cabelo chanel loiro. Achava estranho ver-se daquele jeito, mas não seria nem um pouco difícil encontrar um homem — vários, na verdade — que afirmasse que ela ficaria linda de qualquer jeito.

Não demorou muito e viu o portão que observava se abrir. Um homem saiu na calçada, distraído. Falava ao celular. Ela percebeu que poderia estar bem mais perto que ainda assim ele não a veria, mas, enfim, toda precaução era válida. Ele entrou no carro, deu partida e saiu.
Ela foi atrás.

Dois dias antes, aquela mulher resolvera agir. No começo da noite se encontrara, numa livraria, com o homem que vira apenas duas vezes. Pegou um livro qualquer, escolheu uma poltrona da área de leitura e passou a fingir que se interessava por aquelas páginas. Não precisou fingir muito, pois logo o homem sentou-se ao se lado. Começaram a conversar disfarçadamente, segurando a voz.

— O que você queria falar comigo? — ela perguntou.
—Sabe as fotos, todas as outras coisas...
— O que é que tem?
— Quero que você me pague. Me pague que eu te entrego.
— Eu já te dei o dinheiro!
(pausa)
— Você não gostaria que esse material todo, todas essas fotos, chegassem às mãos de seu marido, queria? — fez uma cara inquiridora. — Então, a gente faz assim. Finge que você não me pagou ainda. Tenho certeza que você não vai se opor. Aí você me paga e fica tudo certo.

Ela pagou. Era melhor acalmar a situação e fazer as coisas do seu jeito. Levou dois dias para acertar tudo, arrumar a peruca, pegar o carro da amiga emprestado. Agora ela estava agindo, confiante, seguindo de longe o carro que ia à sua frente.

Ele deu seta no meio de um quarteirão de um bairro tranquilo. Não faltava lugar para estacionar, mas não havia uma árvore sequer para lhe dar a égide da escuridão. Decidiu que ficar no carro poderia chamar mais atenção do que uma loira qualquer que descesse depois de encostar. Saiu com o celular na mão, como se atendesse a uma chamada, deu a volta por trás do carro e viu que a casa à sua frente tinha uma reentrância para o portão. Ficou ali, escondidinha, observando uma mulher sair ao encontro do homem que ela seguia, agora encostado em seu automóvel.

Sentiu os músculos do pescoço retesarem.
Os dois estavam se beijando com entusiasmo.

Entraram no carro. Ela deixou o esconderijo calmamente, fingindo novamente estar em uma ligação e sentou-se no banco do motorista. Assim que o casal saiu, ela deu partida. Ela tinha certeza do tipo de destino, mesmo que não soubesse exatamente qual o destino do casal.

O destino era o motel Angelique. Afastado, às margens da rodovia. Esperou que eles entrassem e, então, não fez mais questão de se esconder. Parou bem à rampa de saída, desceu do carro e esperou, mesmo sabendo que iria demorar. Acendeu um cigarro. Outro. Mais um intervalo de espera e acendeu o terceiro. A cada vez que o portão levantava, ela erguia a cabeça para ver qual era o carro e, em seguida, virava o rosto para proteger a identidade de quem saía. Poderia ter visto a todos ali, se quisesse. Mas queria ver apenas um só.

O portão levantou, assim como seus olhos. Era ele. E ela. Jogou o cigarro no chão e esperou o momento certo. O momento em que os olhos dele encontraram os dela. Então, tirou a peruca. Viu os olhos dele crescerem.

Ao ver o beijo dos dois um pouco mais cedo naquela noite, ela teve a certeza que seu marido a traía. Sua ação dera muito mais resultados que a do pretenso detetive que ela contratara e que ainda a extorquira, ameaçando entregar ao marido todo material que ela cedera para a suposta investigação.

Ela tinha certeza que ele a traía.
Agora, ele tinha certeza que ela sabia.

Jogou a peruca sobre o banco do passageiro, entrou, deu partida e foi ser feliz com alguém que a merecesse.