quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Sucesso pouco é bobagem

Compor uma música não é fácil. Ainda mais quando sua última criação ricocheteou em todos os cantos do Brasil, até mesmo nos reconditórios mais folclóricos do Acre, onde habitam seres como o Mapinguari e o Gogó de Sola, e o Boto é apenas um tio que faz compras no mercado. Ele agora queria mais. Queria deixar de ser um paralelo a Cristal Kay e Remmy Ongala e ganhar a América Latina, quem sabe também os Estados Unidos, alcançando ares e holofotes de uma versão masculina de Shakira. Ou melhor, Jeniffer Lopez. Tinha certeza que poderia atuar na frente das câmeras com o mesmo talento e desenvoltura que colocavam multidões para dançar em exposições agropecuárias, rodeios e nos mais variados eventos dedicados à produção das angiospermas e similares, como as festas da uva, do morango, da vitamina com leite e do artesanato de frutas de cera.
Por isso, dessa vez, era mais difícil. O sucesso anterior, embalado em uma batida contagiante e de harmonia clean, com poucos instrumentos musicais e grande destaque à sua voz característica, pegou rápido e certeiro como bote de sucuri e, adubado por um vídeo na internet, cresceu a um resultado mais espantoso do que os feijões de João no tempo do rei Alfredo. Os grãos de Phaseolus vulgaris da carochinha, aliás, são uma excelente metáfora também por sua instantaneidade. Naquela ocasião, ele levou apenas 15 minutos para conjurar letra e música, num insight digno de Newton e sua macieira.  Agora, já se iam 37 minutos e nem uma palavrinha havia sido deitada no papel.
Começou a procurar, ao menos, por temas. Voltou à infância no interior, onde a família com sete filhos vivia em uma casa simples, sem televisão ou camisinha. O pai, o seu Oliva, sustentava a todos seus rebentos – os oficiais, pelo menos -, cortando cana-de-açúcar e sempre trazia alguns gomos para casa, que eram sumariamente dizimados pelas crianças após as humildes refeições. Avançou um pouco a memória para o evento que mudaria para sempre as finanças familiares, dando condições de botar mais víveres na mesa e duas novas crianças no mundo.
Por obra de um irmão de seu Oliva, que lhe inflou de maneira indefessa a bolsa que abriga os lares esferoides de girinos unicelulares, a família se mudou para o litoral. Assim o chefe de família se juntou ao irmão no trabalho de estivador. Mas diferença mesmo fez o fato de dona Oliva sair de casa, já que os mais velhos podiam cuidar dos mais novos e os mais novos cuidar do fogão para o almoço e o jantar, para fazer um curso rápido e engrossar as fileiras dos novos soldadores da recém-aquecida indústria naval brasileira. Logo ela ganhava mais que o marido e toda a família saiu ganhando. O primogênito, Olivinha, saiu também cantando. Revelou uma imensa sagacidade para rimas óbvias e logo estava criando seus primeiros versos triviais.
A brincadeira logo ganhou ares de trabalho – lúdico, mas trabalho – quando ele começou a fazer apresentações em festas de amigos, e então de amigos de amigos, para conhecidos de amigos de amigos. Foi numa dessas festas que gravou o vídeo com sua extraordinária música, que seria em breve reconhecida por todo o país e tocaria em todos os tipos de festa, de qualquer classe social, remexendo corpos de todas as idades.
Lá se ia uma hora e nada de ideias. Nada. Até que, de inopino, saiu nu e aos berros, como Arquimedes. Ou melhor, aproveitou só a outra parte da história do multifacetado cientista e teve uma ideia bárbara num relance. Em poucas palavras resumiu toda a sua infância carente, desde os gomos de cana do pai aos navios petroleiros amalgamados pela mãe, e fez os versos que comporiam sua nova obra notável. Ou melhor, o verso. Só precisava de um.

Se quer chupar (cana) vem comigo navegar.

O sucesso do novo funk seria certeiro como feijões mágicos. Se não Phaseolus, indiscutivelmente vulgaris.

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Com tanta musa pelo mundo - e uma delas sob meu teto - seria improvável e é até irônico dizer quem me serviu de inspiração. Woody Allen. O velhote que é um dos maiores frasistas do mundo ou da história - ainda discute-se no debate entre eu e eu mesmo - me recheou a ideia de cabeças quando eu reli "Fora de Órbita" (o livro que contém o texto homônimo). No caderninho que deixo na cabeceira da cama brotaram vários rascunhozinhos e o que não germinou lá saiu direto para o Word e então para cá. Logo logo tem mais, na mesma linha. Obrigado Woody.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Daniel, mas voz de Guilherme e cara de... André?



Eu tenho cara de André. Não é possível outra explicação.
Não posso dizer que perdi as contas porque nunca contei, mas a verdade é que as vezes que me chamaram de André são incontáveis.
Pode até acontecido, vez ou outra, de terem me chamado de Danilo ou Astolfo, sei lá. De Mr. Martins ou de Cardoso também. Mas nada que chegasse nem minimamente perto das vezes que me chamaram de André, nas mais diferentes situações. Alguns chegaram a insistir no André. Nesses casos, passei a nem corrigir. Uma hora a pessoa percebe.
Entre todas essas vezes, uma delas me marcou bastante. Também, pudera: quem me chamou de André foi...
...
...
...a Maitê Proença.

Começou com uma entrevista feita por telefone para noticiar a passagem de sua peça "Achadas e Perdidas" pela cidade. Mas, pelo telefone, ela não me chamou de André. Aliás, nunca me chamaram de André pelo telefone, o que reforça que eu tenho cara de André.
Por telefone, ela disse que eu tinha voz de Guilherme.
Não de qualquer Guilherme, mas do Guilherme de Almeida Prado, cineasta, com quem ela trabalhou em "Onde Andará Dulce Veiga?". E não era só a voz. Era o jeito de falar, de entoar as frases, era o próprio cineasta falando, segundo ela.
Ok. Conversamos e eu criei o texto em cima desse bate-papo, sem ficar naquele batidão de "olha, a peça vem aí e será apresentada nos dias tal e tal". Claro que fui assistir à montagem. Depois da peça, ela iria autografar alguns livros, ali no saguão do teatro mesmo. Comprei o lançamento "Entre os Ossos e a Escrita" e entrei calmamente na fila, numa das últimas posições, sem qualquer tipo de identificação de quem eu era. Quando chegou minha vez, só disse um "boa noite, Maitê". Ela arregalou os olhos e disse:
- Você! É André, não é? O repórter?
Eu disse que era Daniel, mas que era eu mesmo. Ela autografou o livro para mim e para a Maira, com quem era casado na época e que estava comigo.
Sinceramente, não me importei por ela ter me chamado de André.
O que me importou mesmo é que ela gostou do meu texto.


terça-feira, 25 de outubro de 2011

A Saga dos Filmes - parte 1



Eu já tinha contado aqui que decidi ver todos os ganhadores do Oscar de Melhor Filme desde 1940, quando o vencedor foi ...E o Vento Levou. A saga começou e três etapas foram vencidas. Facilmente, quero ressaltar.

Não adiantava, entretanto, ver 72 filmes sem fazer um registrinho acurado da coisa, atribuindo também uma nota de 1 a 5. Então aqui está a primeira leva, com os três primeiros. Vou tentar ser breve.

O Poderoso Chefão
Eu ia priorizar os filmes que ainda não vi. Mas, convenhamos, a cada vez que se vê O Poderoso Chefão há algo novo para descobrir. É quase como se fosse a primeira vez. E mesmo foi a primeira depois de eu ter começado a ler o livro que inspirou o longa. Aí se tem uma ideia um pouco melhor da grandiosidade desse filme, ao ver páginas e páginas transformadas em alguns minutos de película com a mesma carga de enredo, força e emoção. A direção seria fantástica por si só, mas quando se sabe que o filme quase não existiu, de todas as dificuldades da produção, entende-se como tudo conspirou para que nascesse essa obra prima. Assista sem sono. É preciso pegar todos os diálogos.

Ponto forte
Quase tudo é ponto forte, mas fiquemos com Brando e Pacino, fantásticos.
Ponto fraco
Só um, mínimo. O ator que faz Al Neri (o nome do personagem não é mencionado) não lembra, nem de longe, o que poderia ser o "novo Luca Brasi", nas palavras de Tom Hagem (a frase também não é falada no filme). A pose que ele faz pra matar Barzini é horrenda.
Nota: 5/5

Casablanca
Por que se fala tanto nesse filme? Porque ele merece. Vi pela primeira vez esta semana e perdi as contas de quantas cenas me fizeram ter vontade de aplaudir. As palavras escorrendo com a chuva num bilhete desolador. "La Marsellesa" sendo entoada quase como um ato heroico de guerra. Algo como o número 22. "As Time Goes By", a cada vez que soa. Há muito mais. Incrível como Bogart consegue ser tão expressivo... sem fazer quase. Incrível a simplicidade de rara beleza no sorriso de Ingrid Bergman. É difícil ter só um filme preferido, mas se o posto era ocupado pelo que está ali em cima, agora Casablanca, no mínimo, empatou. Preciso assistir mais algumas vezes.

Ponto forte
Roteiro magnífico e diálogos brilhantes.
Ponto fraco
Cadê? até agora, não achei.
Nota: 5/5

Os Imperdoáveis
Western é um gênero pouco presente em minha vida. Nunca vi nada dos antigos. Mas o que posso dizer é que esse é uma realização de Clint Eastwood. Tem a cara dele. Um boa história, bem contada, bem roteirizada. Tem uma grande atuação de Gene Hackman, que levou, aliás, a estatueta de ator coadjuvante. Merecido. Gosto mais do personagem dele do que o do próprio Clint Eastwood. Little Bill (interpretado por Hackman) tem as melhores frases do longa e não por acaso o escritor da trama fica fascinado pelo xerife.

Ponto forte
A cena de abertura já me ganhou, mas os detalhes na trama fazem a diferença (a miopia, a falta de talento na carpintaria, "bilhar no andar de cima").
Ponto fraco
O ritmo. Lento, acaba ficando um pouco arrastado para 2h10 de filme.
Nota: 4/5

Em breve tem mais.
Ainda estou com bastante vontade de ver Carruagens de Fogo. Conduzindo Miss Daisy e ..E o Vento Levou devem estar entre os próximos.

[Off-topic da semana]
Claro que vejo outros filmes além dos ganhadores do Oscar. A menção honrosa dessa semana vai para Máfia no Divã, que tem diálogos arrebatadores. Uma comédia de primeira grandeza. Aliás, que tem uma reprodução muito legal da cena em que Vito Corleone é baleado em O Poderoso Chefão (e vale lembrar que Robert de Niro, que representa o mafioso Paul Vitti, levou o Oscar de melhor ator coadjuvante ao interpretar o próprio Vito Corleone quando jovem  - ambos, de Niro e o padrinho eram jovens -, no segundo filme da saga).

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O que eu faço no trabalho

É difícil explicar.
Talvez porque eu trabalhe no limbo, no lado oculto e desconhecido da internet, que parece tão real quanto o outro lado do espelho, mas invisível para 99% das pessoas que eu conheça e talvez até mais que isso entre as pessoas que você conheça. Não é fácil explicar o que eu faço no trabalho, mas, em casos assim... sempre cabe uma analogia.

***
Seu carro morre, você dá partida e nada. Nada. Por sorte você conseguiu encostar. Por mais sorte ainda, você contratou um serviço que promete trazer alívio em casos assim. Não é um seguro. É outra coisa. É um suporte para situações adversas nas quais seu possante 1.0 te deixa na mão.
Mas cadê o telefone do pessoal desse serviço. Você não sabe onde guardou o cartão e talvez até não esteja totalmente seguro do nome da empresa que você contratou. Ainda pensando no que vai fazer, seu celular toca.

- Senhor Paulo Tangerina, aqui é o Joe Gameleira, da AutoServiços Proativos, tudo bem? Nosso sistema de monitoramento recebeu um alarme que seu carro parou e eu gostaria que o senhor soubesse que já estamos investigando. A propósito, o carro tem combustível?

Você responde que sim, meio tanque, impressionado até a tampa com a ligação. Ele continua.

- Ok, então eu vou engajar a oficina contratada para lhe prover o serviço para que eles façam uns testes. Logo eu já volto com novidades. 

Você espera um tempinho, olhando para os lados esperando ver um carro da oficina chegando, mas seu telefone toca de novo. 

- Senhor Tangerina, é o Gameleira de novo. O senhor pode dar partida, por favor?

Você pensa em dizer que ninguém fez nada, mas acha melhor dizer isso depois de ter dado partida. Para a sua surpresa, o carro pega.

- Voltou, né? Olha, a oficina fez uns testes remotos no seu carro e percebeu que era a bateria. Remotamente mesmo ela deu uma carga pra que você possa andar. Mas a gente precisa marcar logo uma janela pra substituir essa peça porque ela vai voltar a dar problema, numa hora em que você não for usar o carro. 

Você marca a tal janela pra mais tarde, resolve as coisas mais urgentes e, na hora combinada, o pessoal da auto-elétrica aparece na sua casa pra trocar a peça defeituosa. Tudo está resolvido.

***
Na rua de trás, Flávia Gulabi, outra cliente do serviço, vai sair de casa, mas nota que seu pneu está furado. Quase imediatamente, Jean-Charles Azteca a aborda com um cartão e uma chave.

- Dona Flávia, sabemos que você não pode ficar carro e, como seu contrato prevê um reserva, aqui está a chave. A troca do pneu é até rápida, mas já vamos fazer uma geral pra ver se tudo está mesmo ok. Enquanto isso, use o reserva, que não é tão confortável quanto o seu, mas resolve seu problema.

***
     Agora, vamos substituir: uma empresa tem escritórios espalhados pelo mundo (imagine que cada um é um carro!) e, quando um deles tem um problema em sua conexão com o mundo virtual (que também liga um escritório ao outro), aparece um alarme lá no meu computador (como o da AutoServiços Proativos!)
     Nesse momento, eu começo a investigar o que está acontecendo, antes mesmo do cliente reclamar que está sem internet ou ligação com outros sites. Posso descobrir, por exemplo, que a rede do cliente caiu porque ele está sem energia (combustível!) no site. 
     Em outros casos e, se for preciso, eu já engajo a operadora do cliente (a oficina!) que pode fazer testes remotamente para descobrir o que houve e solucionar o problema.
     Podemos também mandar um técnico no local para trocar um cabo ou alguma peça (bateria!), combinando sempre um horário que não vá impactar (ou pelo menos não tanto) o trabalho do cliente. 
     Por fim, muitos sites tem um link redundante para se ligar ao mundo virtual (o carro reserva!), que pode não ser tão rápido quanto o original, mas quebra um galho. E, quando eu falo mundo virtual, não estou me referindo exatamente à internet, mas ao que é chamado de nuvem (já ouviu isso?), um amontoado de cabos e equipamentos de nomes estranhos espalhados pelo mundo em salas bem fechadas e frias (essas coisas esquentam), que funcionam direitinho pra você, de qualquer lugar do mundo (talvez não na China) entrar no Face, ver vídeos toscos no YouTube, ler essas balelas e abobrinhas. Quer dizer, nem sempre funcionam direitinho. E é aí que precisam atuar pessoas que trabalham com o que eu trabalho.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Baseado em uma história que poderia ser a sua!

Oiráto chega frustrado e desolado em sua casa, joga-se em sua cama e materializa sua revolta em lágrimas urros, socos e contorções. Sua honra ficara a alguns quarteirões de distância – ele acabara de chegar de uma audiência. Uma história não muito complicada que o fez perder a esperança e a alegria.

Sim, Oiráto era um rapaz de uma família boa, recebera boa educação. É bem verdade que fez escolhas erradas em sua vida. Nos últimos tempos ele sentia como se anos de sua vida tivessem sido desperdiçados. Mas honestidade, lealdade, compromisso com a verdade sempre pautaram seus dias. O mês que se estava por terminar marcava um recomeço em vários sentidos para Oiráto. Contudo, este dia amanheceu. E lá estava Oiráto, sentado diante de um jovem arrogante vestido com uma capa muito mais feia do que a do Batman e uma cordinha roubada da cortina da casa de alguma avó – o juiz de direito. Este sujeito se parecia com aquele garoto que sempre fora zuado na escola, que nunca era convidado para as festinhas e, constantemente era escalado como gandula nas partidas de futebol – ou de qualquer outro esporte – nas aulas de educação física.

Com uma franja rebelde e mal penteada, Odipútse, em suas primeiras palavras já demonstrou que aquelas seriam horas das quais Oiráto jamais se esqueceria. Não era a toa que Odipútse estava com aquela fantasia. Ele colocava um ponto final nas discórdias entre os cidadãos de Atsob. Oiráto nunca tivera muito sucesso em Atsob, justamente por isso resolvera se mudar de lá. Mas, seguindo as regras de seu país, Oiráto compareceu à audiência. Ele não encarava aquele que o colocara no banco dos réus – o pai do Darth Vader. Era isso ou vomitar. Oiráto não era culpado pelo incidente que o trazia aquele lugar. Na verdade, até o discurso de Odipútse ter início, Oiráto sentia-se muito confortável, pensando apenas no que iria fazer pra aproveitar seu dia de folga depois de toda aquela chateação.

Apesar de ter se arrependido de tantas coisas em seu passado, Oiráto era um rapaz estudado, até mesmo com algumas experiências internacionais. Sua vida acadêmica e profissional era incomum contudo, interessante. Mas que valor há nisso quando se tem um representante da justiça divina, adequadamente aparamentado no exercício de suas des (cof cof) funções? Oiráto nunca tinha exagerado nas brincadeiras com os losers da escola. Mas que diferença isso faz? Naquele momento alguém ia pagar e Odipútse, de antemão, já decidira que esse alguém seria Oiráto!

Pode parecer espantoso, mas Oiráto era um especialista em retórica. Ele entendia e sabia muito bem como preparar e expor um discurso. Mas não era amigo do Batman e sua avó vivia constantes jornadas entre sua casa e o hospital – quem teria coragem de roubar uma parte das cortinas de uma velhinha assim? Por incrível que pareça, há mais ou menos um ano Oiráto conhecera alguém capaz de fazer isso – o pai do Darth Vader.

O fato era que as palavras de Odipútse eram intermináveis. Oiráto já não sabia que horas eram. Não há dúvidas que ele preferia uma tortura física ao que via e ouvia. Mas o próprio Odipútse já informara o pai do Darth Vader de que isso não seria possível. Diante do que se passava, Oiráto compreendia que Odipútse não queria mais um livrinho em sua estante e tentava de qualquer modo colocar um preço em sua honra – ou você faz um acordou ou corre o risco de superfaturar sua honra. “Ah, eu devia ter jogado na mega-sena semana passada”, lamentava Oiráto. “Nesse país a honra tem preço!” Essa era uma verdade que seria aprendida ali em questão de alguns minutos.

Injustiça seja feita e, em menos de duas infindáveis horas, Oiráto tinha vendido sua honra. Não porque ele não a prezara, mas porque não podia correr o risco de vê-la sendo usurpada a um preço impagável – para ele, rapaz de boa família e de valores (não monetários) que na prática, não valem nada.

Outras coisas foram aprendidas naquele dia calorento. Uma delas é que a justiça é um ótimo negócio. Oiráto aprendeu – a custo de tiras e tiras de seu lombo – que em seu país é legalmente possível prejudicar alguém e ainda ganhar uma mesada mensal daquele que você fez de bobo.

Acalme-se! Os valores de Oiráto não foram abalados! Quem sabe a honra seja como uma parede a qual se possa erigir novamente. É evidente que Odipútse subestimou sua capacidade intelectual e tratou Oiráto como um otário! Tão evidente quanto os conflitos que Odipútise tinha face a face com um Homem. Claramente o pobrezinho via em sua frente os meninos chatos que o chacoteavam na infância.

Ao final, resta amadurecer! Especialmente quando Oiráto encontra nas palavras do iletrado o conforto irracional: mais tem Deus pra dar que o diabo (ou o Odipútse... ou o pai do Darth Vater) pra tirar!

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Longa missão de longas


Decidi.
Tenho 72 filmes pra ver.
Não são quaisquer filmes. São os vencedores de melhor filme desde “...E o Vento Levou” (que levou mesmo em 1940).

A ideia veio primeiro dessa minha vontade de ver grandes filmes que eu nunca havia visto ou que só tinha visto quando criança. Nessa semana, me lembrei de Carruagens de Fogo. Sei que assisti, mas só duas informações ficaram na minha memória: primeiro, que era um filme sobre corridas. Segundo, a inesquecível música, que inclusive ficou associada posteriormente a maratonas e até aos Jogos Olímpicos.

Fui pesquisar, e “descobri”: o filme venceu os Oscars de melhor filme, melhor roteiro original, melhor figurino e melhor trilha sonora (é claro!).

Aí foi natural. Primeiro pensei em ver todos os vencedores. Desde 1929, foram 83 edições do Oscar. Se a conta não bate (2011-1929 = 82), é porque em 1930 foram duas premiações. Muito compromisso. Resolvi fechar um pouco o escopo.

Vendo a lista, pensei que não poderia deixar “...E o Vento Levou” (que nunca assisti) de fora. Assim passei a régua em 1940. Aproveitei para fazer a contabilidade e algumas curiosidades apareceram (os anos se referem à premiação, não ao lançamento).

- Já assisti a 26 filmes ganhadores do Oscar de melhor filme.
- A única década “completa” é a de 2000. Vi todos os vencedores dessa década. Nem mesmo a de 2010, só com dois filmes, tá completa. Estou devendo Guerra o Terror (2010).
- O filme mais antigo da lista é um de meus preferidos. O Poderoso Chefão, que levou em 1973. Os prediletos também incluem a sequência dele (1974) e A Lista de Schindler (1994).
- Não contabilizei os filmes que acho que assisti, mas que não tenho certeza. Entre eles está A Noviça Rebelde, que levou em 1966 e poderia, portanto, ser o mais antigo da lista.
- A década na qual eu nasci tem só dois filmes na lista: Carruagens de Fogo (1982) e Rain Man (1989).
- Desde Rain Man, aliás, só não vi três filmes. Além do já citado Guerra o Terror, não entraram Conduzindo Miss Daisy (1990) e Os Imperdoáveis (1993).
- A década de 1990 é a segunda mais “popular”, com oito filmes assistidos. Em seguida vem a de 1970, com cinco.

Não vou selecionar uma ordem para ver os filmes e provavelmente não verei todos, mas, talvez eu vá de trás pra frente (excetuando-se o primeiro, que será Carruagens de Fogo), começando por Guerra ao Terror, passando pelos dois faltantes da década de 1990 e por aí vai. ...E o Vento Levou e Casablanca terão privilégio, também.

Quem quiser dicas, depois, é só pedir.

domingo, 18 de setembro de 2011

Ler com os ouvidos


Estou lendo com os ouvidos.
Será que isso é bom?

Sou um amante da palavra no papel.
Aliás, os meios eletrônicos e até a e-ink do Kindle valem, mas os livros... bom, livros são livros.
Fico até meio desconfiado de quem escolhe não ler, sabe? Gente que estudou, que teve os meios, o acesso, mas que olha para um livro e diz que é muita coisa pra ser lida. Preguiça mental.

Por isso nunca havia ido atrás de um audiolivro. Pensei até arrumar algum pra ouvir preso no engarrafamento, mas ainda fiquei com a música mesmo (até porque ficar preso no trânsito não é algo, assim, que me acontece com regularidade). Agora, por causa do novo trabalho, em que falar, ouvir e escrever em inglês não só é necessário como é rotina, resolvi deixar o ouvido mais apurado. Como? Decidi pegar um audiolivro em inglês.

A princípio, fiquei meio ressabiado, com receio de "estragar" a experiência de um bom livro na voz de alguém o lendo para mim. Mas também não podia pegar qualquer livro. Já que eu vou ter que ler, mesmo que com os ouvidos, que seja um bom livro.

A escolha foi meio que natural. "Ice Cold", novo livro de Tess Gerritsen, autora que me conquistou nos últimos anos e que já citei aqui. Não o encontrei ainda em português e acho que ainda não foi traduzido. Botei os arquivos em um MP4 e comecei a ouvir no fretado, no caminho de ida e volta ao trabalho. E querem saber a verdade?

É uma experiência fantástica.
Ok, escolhi uma autora que gosto e com uma história muito bem contada (estou escrevendo aqui com vontade de estar "lendo" mais um pouco). Mas entendo que contribui muito para isso o excelente trabalho de Tanya Eby, narradora que descobri ter emprestado sua voz à leitura de dúzias de livros.

O trunfo de Tanya é agir naturalmente como narradora quando a voz é a do... narrador!, mas dar pequenas e diferentes impostações e entonações na voz quando os personagens falam. Ela não precisa da habilidade de Chico Anysio ou Tom Cavalcanti para criar dezenas de vozes diferentes. Com nuances da sua própria voz, consegue dar identidade a cada um deles, a ponto de eu já saber quem está falando já no início da frase.

De quebra, meu objetivo inicial foi alcançado. No primeiro dia, precisei me concentrar bastante para entrar na história. No segundo, já me peguei observando a paisagem entre Jundiaí e Hortolândia distraidamente, sem perder o fio da meada. No terceiro, era como se estivesse ouvindo em português. E o hábito de ler com os ouvidos foi ganhando espaço. Deixou de ser algo reservado apenas ao fretado para substituir meu antigo costume de ler antes de dormir. A diferença é que pude fazer isso com a luz apagada na noite passada.

E, no fim, descobri que ler com os ouvidos pode ser delicioso. Uma experiência que não é melhor nem pior do que um livro escrito, simplesmente porque elas não podem ser comparadas. São diferentes.

É verdade que, se eu tivesse que escolher entre ler Ice Cold com os olhos ou com os ouvidos, escolheria com os olhos. Mas não dispensaria mais com os ouvidos.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Dr. Batista, vai ser menino ou menina?


- Acabei de confirmar! Eu estou grávida!

Juliana estava contando para a mãe que teria seu primeiro filho. Ou filha.
Para ter certeza, só lá pelo quarto mês, se o bebê ajudasse no ultrassom, etecetera e talz.

- Claro que não, amor, dá pra saber antes -, alertou a mãe.

Juliana já se preparou. Por mais que estivesse doida de curiosidade, não acreditava nas técnicas populares de segurar linha de lã sobre a barriga, olhar para a colher ou para a mão, contar as sementes de um mamão papaya maduro, pedir para o futuro papai quebrar um ovo para ver qual pedaço da casca ficaria maior e tudo o mais o que já ouvia falado. Mas ela nunca havia falado no Dr. Batista.

- Filhaaa, o Dr. Batista é melhor que o Herculano da novela O Astro. Ele acerta todas. Ele foi meu obstetra e acertou que eu teria uma Juliana, e não um Fabrício.

Juliana estava cética, mas, de qualquer maneira, precisaria mesmo de um obstetra. Se fosse um velho conhecido de sua mãe, melhor. Conseguiu um encaixe para a semana seguinte e, até o dia da consulta, ouviu muito sobre a fama e os feitos de Dr. Batista. O médico não errava nunca. Sempre anunciava seu palpite e ainda o registrava na ficha da paciente para não ter discussão.

Quando, por acaso, alguma mamãe contestava o resultado do ultrassom que mostrava uma minhoquinha entre as pernas do bebê, dizendo "mas você disse que seria menina", o obstetra apenas apontava a ficha intocada sobre a mesa, confirmando sua previsão feita meses antes: menino.

Por essa fama, o Tistinha - apelido que veio de outro apelido, Batistinha, o filho do Dr. Batista - já falava que seria médico. Virava e mexia ele estava lá pequena brinquedoteca sala de espera e passava despercebido, já que a clínica contava também com pediatras. Naquela tarde, Tistinha resolveu se aventurar pra dentro da sala do pai. Ficou à espreita e viu o médico dizer à secretária: "Traga a próxima paciente e peça que ela aguarde que eu já venho". Esperou o pai entrar no banheiro, a secretária sair para a recepção e esgueirou-se pra dentro da sala. Ficou no nicho entre o armário e a parede. Queria observar o que o pai fazia.

Mas quem entrou primeiro foi a secretária, trazendo Juliana.
A consulta se seguiu normalmente, foram feitas as perguntas habituais e, claro, Dr. Batista lembrou de quando a mãe de Juliana esteve em seu antigo consultório e de como ela ficou feliz ao saber que teria uma menina.

Então chegou o momento esperado. Dr. Batista olhou para suas anotações e alternou essas examinações com olhares nos olhos brilhantes de Juliana. Ali no seu cantinho, Tistinha observava tudo, tentando descobrir a técnica profética do pai (ainda que ele não tivesse a mínima ideia da existência da palavra "profética").

- Juliana, você vai ter uma menina.

Ela não sabia como ele poderia saber. Ele também disse que não sabia. Apenas tinha uma intuição.

- Não é garantido! É apenas um palpite. Graças a Deus eu tenho acertado ao longo de todos esses anos. Mas não é 100%. De qualquer maneira eu vou anotar na sua ficha pra gente ter guardado. Me-ni-na. Pronto.

Juliana se despediu e ficou de marcar retorno. Dr. Batista discou o ramal da recepção e pediu para a secretária esperar para chamar a próxima paciente porque ele tomaria um café rápido.

Assim que o pai saiu da sala, Tistinha correu para a mesa, curioso para ver a ficha que havia ficado lá. Ele não entendeu o que o pai tinha escrito e nem era por causa da letra, que até era inteligível (ainda que Tistinha não tivesse a mínima ideia da existência da palavra inteligível). Ele leu o que o estava escrito, só não entendeu porque aquilo estava escrito. Deu de ombros e saiu da sala.

Na ficha de sua nova paciente, estava anotado em letras maiúsculas de forma:
MENINO.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Amy Winehouse - Uma vida dos outros

Conto nos dedos (e eu tenho dedos a menos, caso não me conheça) as vezes que fiquei plenamente fora de mim. Lembro-me (ou melhor, não me lembro) especialmente de uma noite de micareta em que apenas algumas fotos dão pistas do que aconteceu. Ali estou com pessoas que não conheço e não lembro de ter conhecido. Será que eu me diverti? Eu não sei. Realmente não me recordo.
Por isso sempre achei que tempos bem vividos não necessitam daquilo que minha mãe chama de muletas psicológicas. Não preciso ficar high pra ser feliz. Além disso, me recordo bem do que aconteceu, como nos dois últimos sábados entre novos amigos: muita diversão, muita risada e muitas lembranças!

Fiquei triste ao saber da morte de Amy Winehouse. Não por conhecê-la nem por ser seu grande fã (sua voz era incrível, mas seu repertório nunca me agradou muito), mas por lamentar duas coisas: 1-) que ela não tenha tido tempo para se redimir, dar a volta por cima - eu tinha essa esperança; 2-) por crer que uma cantora excepcional, com uma voz estilo grande diva do jazz e soul das antigas, tenha tido uma vida dos outros.

Cabe destacar: uma vida dos outros é bem diferente de viver pelos outros. Ao viver pelos outros,  a pessoa doa a si mesmo para melhorar a vida de outras pessoas. Uma vida dos outros é ter pedaços de si e seu tempo roubados.

É essa a sensação que tenho com Amy. Conforme a fama crescia, ela ia tendo sua vida roubada por amigos (amigos?), álcool, drogas. As marcas eram bem mais profundas do que os comentados cambaleios nos palcos, o mamilo pra fora do biquíni no hotel em Santa Tereza: estavam na pele marcada, não pelas tatuagens, mas pelos sinais do abuso; em seus olhos, que foram perdendo a vida.

Não faço aqui um ataque enlatado aos abusos de Amy. Como definiu John Stuart Mill, levando a ecos em Cazuza, cada um tem o direito de fazer mal a si mesmo, desde que não faça mal a outros. Também não vou atacar quem estava por perto dela, cobrando a notória falta de apoio para que ela tivesse uma vida um tiquinho mais regrada, que decidisse parar com os "no, no, no" para a rehab. Aliás, mesmo que me juntasse a milhares de fãs e curiosos pra fazer isso, a cantora já se foi.

O que eu posso fazer é (tentar) impedir quem está perto de mim a entrar nessa mesma espiral trágica. Oferecer a mão. Dar uma palavra de apoio. E incentivar quem lê aqui a fazer o mesmo com quem está perto de si.

Também espero estimular quem precisa de ajuda a pedir ajuda (mesmo que seja difícil reconhecer isso).

Amy se foi, mas se tornou imortal por sua obra.
Nós, mortais, corremos o risco de nada deixar.

Ou, pior, corre-se o risco de viver uma vida fora de si.

E... viver fora de si é viver?

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Notas, apenas musicais

No país do samba, numa manhã de outono

Ao som do tango, a última ligação

Milonga, me queira, me ame, me beije!

A sua voz, o seu jeito de falar

Já me mostram que não passo de um mero Fã.

Mais um que bateu à sua porta, sonhando em quebrar suas correntes

A corda do meu violão arrebentou

Foi a corda Lá

Ninguém estava tocando

Devem ter sido a tensão e dor que estão no ar.

Quisera ter sido a Ré

Pra que eu pudesse voltar àquela noite

E ter feito tudo diferente

Você estava ao alcance dos meus braços

E agora só meus pensamentos te encontram.

Dói uma dor desumana sem dó

Esta que é a nota mais miserável

Quando dirigidas a mim

O som das suas palavras parecem estar nesse tom

Si até o Sol e a lua por vezes dividem o mesmo céu

Por que eu e você não podemos dividir a mesma história?

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Estupidez gera estupidez


"Existem apenas duas coisas infinitas - o Universo e a estupidez humana
E não tenho tanta certeza quanto ao Universo."

A frase é de Albert Einstein. O cara era tão genial que nem precisou ver o Brasil de hoje em dia para chegar à conclusão. Se visse, talvez fizesse um adendo: em alguns locais, a estupidez parece proliferar com velocidade viral e ser tão inextirpável quanto o câncer. Phoda.

Pois fazia tempo que não via uma epidemia tão grande de estupidez. E olha que esse país é bom nisso!
Recentemente, dois casos, particularmente, foram catalisadores de opiniões estúpidas: o do deputado federal Jair Bolsonaro e do atirador de Realengo.

Primeiro, o sujeito ali da foto, deputado Bolsonaro, virou o centro de uma celeuma após a participação no quadro O Povo Quer Saber, do CQC. Se você não viu, veja
Muitas respostas foram um tanto estúpidas. Mas, me respondam: quem é mais estúpido, o que fala a estupidez ou o quem responde a essa estupidez com outra ainda maior?

Pois foi isso que vi acontecer. Tirando uma ou outra opinião sensata (leiam a coluna de Hélio Schwartsman), veio uma saraivada de idiotices. Para ficar só em um exemplo, vou pegar um dos poucos pontos em que concordei com o deputado: o das cotas (concordei por crer que cotas geram segregação em vez de igualdade).

A pergunta fala em cotas raciais. O deputado diz que é contra porque todos são iguais perante a lei e completa: "não entraria em um avião pilotado por um cotista nem aceitaria ser operado por um médico cotista". Pronto. Armou-se o circo. Não faltou quem usasse essa frase para falar de racismo. "Ou seja, ele não entraria em um avião pilotado por um negro nem aceitaria ser operado por um médico negro", chegaram a dizer na TV.

Pois eu pergunto a essas pessoas: se o piloto ou o médico fosse negro, mas NÃO cotista, ele toparia as situações? Ou se o médico fosse branco, mas COTISTA, ele aceitaria? (Espero que as respostas sejam tão óbvias quanto a diferença entre os termos negro e cotista.)

Para completar, agora, nessa semana, vejo entrar em voga, de novo, o tema do desarmamento e a possibilidade de uma consulta pública sobre a proibição da venda de armas no Brasil. Um referendo sobre o tema foi realizado há menos de seis anos. O que reacendeu o tema? Uma escalada na violência urbana feita com armas legais, compradas em lojas autorizadas, documentadas, tudo certinho?

Não. O que trouxe de volta o assunto foi o caso isolado - gravíssimo e de uma tristeza sem fim, mas ainda assim isolado - de um atirador muito possivelmente perturbado que promoveu uma chacina em uma escola do Realengo, no Rio. E que comprou suas armas no mercado negro.

Pergunta, mais uma vez: a proibição legal teria impedido o acesso do atirador aos seus revólveres ou impedirá que qualquer pessoa mal intencionada consiga uma arma? Preciso mesmo responder?
(Importante: não tenho ainda uma posição pessoal definida sobre o tema, mas definitivamente não é um caso como esse que me tornará um defensor da proibição). 

Combater a estupidez seria, por si só, estúpido. Ela é infinita, lembra?
O bom é que tem vacina. Não erradica o mal, mas previne.
E a vacina é antiga conhecida. E gratuita: basta fazer perguntas. Perguntas a si mesmo.

Pensar um pouco não dói.
E se achar que dói, tem um conselhinho simples muito difundido (ainda que eu não tenha descoberto seu autor):
Melhor ficar calado e pensarem que você é um idiota do que abrir a boca e acabar com as dúvidas.
E quer saber mais? Calado, é possível passar por intelectual pensador e introspectivo.

#ficaadica, estúpido.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Religião - o Mal da História

Já ouvi que a AIDS foi o mal do século XX, todos sabemos o quão letal a peste negra foi em sua época e assistimos, mais recentemente, a morte de milhares de homens e mulheres por fenômenos naturais.
Agora, se olharmos para a História, é fácil ver qual é a farda usada por aquela que porta a foice! Não pense que ela vem de preto! Ela vem vestida de religião! A religião é o Mal da História!
Desde que se tem notícia, sacrifícios dos mais diversos - inclusive humanos - eram realizados para a satisfação de(os) (D)deus(es). Na verdade eu nunca vi - nem li - sobre um pedido divino quanto à vida do próprio fiel, tipo: "Se mata que Eu vou ficar feliz pra caramba!" A dinâmica não é essa!

(D)deus(es) está sempre interessado no sangue do outro, na conversão do outro, na mudança do outro, na explosão do outro. O fiel é o espelho e o mundo tem que ser refletido por ele. É difícil concluir que isso causa a intolerância? E não venha me dizer que a religião A ou B não é assim. A sobrevivência de todas elas está baseada na arte da conversão, do convencimento de que o que você faz não é tão bom quanto aquilo que eu quero que você faça! Na verdade todos os seus problemas são, provavelmente, causados por você não fazer aquilo que creio que você deva fazer. Isso também se aplica ao homonianismo - uma palavra que eu inventei pra me referir à atividade de propagação religiosa do gwl - gay way of life.

Depois de ganharem o direito de liberdade de pensamento e comportamento as pessoas parecem querer usar as armas das quais fugiam. Que diferença faz para o mundo se sou gay ou heterossexual? Quanto empregos diretos e/ou indiretos vou criar se beijar a boca de um homem ou de uma mulher dentro de um shopping center? Que mudança o salário mínimo - ou o salário máximo, dos políticos, por exemplo - vai sofrer se eu gostar ou não do gwl?

Eu sou apenas um sujeito dentro de uma sociedade que não tem o dever de pensar como eu penso! E eu, como sujeito responsável, tenho que preservar a condição de liberdade de pensamento conquistada pela sociedade ocidental - a qual, me parece, também vem sendo perseguida pela sociedade árabe. Se você não concorda comigo, tudo bem! Vamos tomar uma cerveja que está tudo certo! O importante é que a gelada desça por nossas gargantas e não uma opinião, à força.

Mais uma vez vamos assistir à Cruzada Evangélica contra os Homossexuais (ou troca-troca - leia-se: vice-versa). Só porque eu acho que a família é uma entidade sagrada todo mundo também tem que achar? E se tiver alguém que não concorda? O que fazemos com essa pessoa? Matamos? Convertemos? Se eu me acho uma mulher presa num corpo de homem, o que faço com aqueles que me acham uma #Devassa? Processo? Denigro sua imagem?

Não seria mais fácil cuidar de minha própria vida e respeitar as escolhas dos outros, independente se concordo ou não? Bom, o histórico da humanidade talvez responda minha pergunta com um não! Mas, se não é mais fácil, não seria mais proveitoso? Eu sei que esse meu argumento não traz nada de inovador, mas é um saco entrar no twitter e me deparar com nomes como Bolsonaro e Marco Feliciano. Pessoas tão intolerantes quanto as por eles intoleradas. Gente que quer enfiar goela abaixo suas opiniões e pontos de vista.

Da mesma forma que não saio mostrando minha bunda - e nem o pinto - por aí, não esfrego minha opinião na cara das pessoas. Se não concordo, se acho nojento, blasfemo, atrasado, inadequado, preconceituoso, o problema é meu. Esse bate-boca televisivo e internético só serve para assoprar mais peido no isqueiro! Nas palavras do sociólogo Demétrio Magnoli, essas pessoas querem ser a polícia da opinião. Querem estabelecer os limites daquilo que é certo ou errado pensar. Conviver com pessoas que pensam e agem diferente de nós é fruto da democracia. É ela - a democracia - que permite que o gay viva no mesmo país do fundamentalista evangélico (isso apenas para citar dois grupos intolerantes - me perdoem a generalização!). E o espírito democrático deveria nos levar à boa convivência.

Quer dá, dê! Quer orar, amém! O duro é sufocar a sociedade com teologia e ideologia barata!
Mas isso é só a exposição da minha opinião num momento catársico - um bundalelê de considerações

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segunda-feira, 28 de março de 2011

Sempre há uma saída

A vida, quando transformada em ficção, se torna arte (ou pelo menos uma tentativa de fazer arte).
A arte, quando se torna vida, ganha contornos muito mais pronunciados, para o mal ou para o bem, dependendo da história que se conta.

Quando se trata de uma tragédia tipicamente shakespeariana, tudo fica mais triste.

"Passeando" por sites de notícias, como gosto de fazer, me impressiono ao encontrar uma manchete sobre o enterro de Cibele Dorsa, afinal, ela me parecia jovem (tinha 36 anos) para morrer de causas naturais. Realmente, não foi nada natural. Cibele caiu do sétimo andar, da mesma janela ou sacada de onde seu namorado, o apresentador Gilberto Scarpa, do canal E! Entertainment havia caído em janeiro. Ambos cometeram suicídio.

É difícil falar sobre pessoas a quem pouco se conhece e muita gente cai na bobagem de fazer leituras precipitadas, deduzindo motivações. Eu prefiro falar do que é certo: o suicídio não é saída, não é solução. Por mais difícil que a situação possa parecer, sempre há um jeito de dar a volta por cima. Eu que o diga.

Esse é um pensamento que jamais passou por minha cabeça e estou certo de que nunca passará, mas pessoas bem próximas a mim já revelaram que, num momento de crise, o suicídio pareceu uma saída muito viável. Eu não sei quem lê esse blog, mas se isso já passou ou passa pela sua cabeça, acredite, NÃO É.

Todos nós temos nossos momentos de tristeza, angústias, incertezas, em maior ou menor grau.
Mas todos temos também uma oportunidade única chamada vida. E ela sempre vale a pena ou as penas, por mais penosas que sejam essas penas.

Para os casos mais graves, patológicos, há medicamentos seguros. Para esses e quaisquer outros casos há uma solução das mais simples e eficientes: fazer novos amigos. Como? Entre na aula de dança de salão (esse foi meu caso), para um grupo de degustação de vinhos, preste serviços para uma instituição assistencial, volte a jogar futebol ou esporte de sua preferência ou até procure uma igreja (uso o "até" porque a recomendação não é pela religião em si, mas por conhecer novas pessoas).

Sabe aquela ideia que você teve lá trás na vida e sempre quis realizar? Resgate o projeto.

Desabafe - para um parente, um amigo, um terapeuta, uma folha de papel, um blog (isso eu também fiz). Mande um recado ou e-mail a um velho amigo com quem nunca mais falou. Descubra como ele está. Redescubra o viver.

Sinto muito pelas famílias de Gilberto e Cibele.
Sinto muito também que talvez (veja bem, talvez - eu não os conhecia nem às pessoas próximas a eles) que eles não tenham tido alguém para falar algo assim para eles.

Talvez você seja alguém assim. Talvez você conheça alguém assim - não deixe de dar o recado.
Sempre há uma saída. E não é pela janela do sétimo andar.


domingo, 13 de março de 2011

Como superar sua meta em milhares % (ou: como não enfartar em sua primeira corrida)



Eram 8h50 da manhã deste domingo e eu estava de short, camiseta esportiva, óculos escuros de armação vermelha e frequencímetro ligado. Não havia dormido muito bem e esqueci de tomar o anti-hipertensivo antes da prova (tomei depois - geralmente tomo às 10h).
Ou seja:
A minha primeira corrida de rua, com 8km, tinha tudo para ser um desastre.
Se foi? Avalie você mesmo.

LARGADA
A largada é um momento mágico. A sirene toca, o pessoal faz a festa. Até passar pela linha de largada (que se tornará logo a de chegada), todo mundo é amigo e caminha fazendo festa, posando pra foto, cumprimentando as pessoas ou gritando mesmo. Lindo.

Km 1
Começamos numa leve subida. O pessoal que tinha largado perto de mim começa a distanciar, mas eu mantenho o trote. Olho para a direita e um cara enorme, redondo, me passa. Minha frequência está em 185. Resolvo não apertar o passo. Não passo ninguém. Muita gente me passa.
Chegamos na descida da praça do Vivendas. Acelero um pouco e ainda assim a frequencia desce pra 170 e poucos (subida mata). Um senhorzinho com a bandeira do Brasil passa fácil fácil e vai embora, distancia.
Detalhe legal: na hora que virei nessa avenida, vi gente já passando lá embaixo, depois de ter dado uma boa volta que o percurso tinha para a direita.

Km 2
Percebo que meu destino é não só ficar pra trás, mas muito para trás. Olho quem vem depois de mim e vejo três meninas correndo. De resto, só tiazinhas caminhando. As três meninas me passam. Penso: oficialmente, sou o último. Bom, como não é verdade. Como não me inscrevi, oficialmente eu não estava correndo.

Km 3
Fogos. Olho no relógio, 24 minutos. É amigos. O primeiro colocado havia completado a prova. Eu não havia chegado nem à metade. Foi o mais demorado dos quilômetros. A placa com o km 4 nunca chegava.

Km 4
Mas chegou. Aceitei a água que me ofereceram, bebi meio copo e o resto... Ah, eu precisava fazer uma cena clássica: joguei o que sobrou na cabeça. Lindo.
Passo em frente a uma churrascaria que estava em limpeza. Ouço comentários: "Que velocidade! / Vai lá Ayrton Senna!". Estimulante.
Um pouco adiante, uns carros passam por mim (estava tudo interditado). Mais um pouco, ouço um barulho de motor e abro passagem, mas o barulho continua.
Era a ambulância da prova me seguindo.
Ali eu tive certeza que era o último. E que os caras acharam que eu teria um treco a qualquer momento. Mas ela encheu o saco de acompanhar o corredor-lesma e foi embora antes que eu chegasse aos 5km.

Km 5
Eu sabia que caminhar era uma questão de tempo. Já estava em subida de novo. Com 43 min, começo a caminhar. Percebo que estou sozinho. Imaginei eu chegando o local da largada encontrando tudo vazio, desmontado. Depois de cinco minutos, volto a trotar. Mas não dura. Só vai até o...

Km 6
Outro posto para entrega de água, mas o pessoal estava empenhado mesmo em recolher copinhos do chão. Ganhei a água e brinquei com a moça que me entregou: "Achou que tinha acabado, né? Agora pode recolher que acabou...".
Ela me responde com um milagre: "Não, vem mais dois ali. E outros dois láááá trás".
Fiquei feliz, mesmo tendo sido passado pelos dois que vinham mais perto. Após uma curva, fico sozinho de novo e entro na descida.
Então, aparece um cara para tirar foto de um recruta do Tiro de Guerra que trabalhava no local. Pelo ângulo, eu ia sair no fundo.
Voltei a correr, né?

Km 7
Passo pela placa mantendo o trote e resolvo que assim iria até o fim.
Passo também.... por um MOLEQUE que não deu conta e estava caminhando. Uh-hul. O tio se sente jovem de novo. O rapaz tava conversando com uns caras do Tiro e achei que ele era da turma. Ao passar por ele, soltei: "oficialmente, não sou mais o último". A galera zoou o cara.

CHEGADA
Mais um pouco de subida e economizo energia (sem parar de trotar). Objetivo: um sprint pra cruzar a linha de chegada com classe! Cruzo-a em 1h 11 minutos e 45 segundos. Ou seja, média inferior a 8km/h. Mais 7 minutos, chega o último colocado, uma senhorinha caminhando.

Conclusão
Você ainda não deve ter entendido o título. Mas explico:
A parte do enfarte fica para os hipertensos, como eu: tomem o remédio ANTES da corrida. Já ajuda. E durmam bem na noite anterior.
Já sobre a superação de metas, anote aí: meu objetivo era chegar entre os 400 mil primeiros (população de Rio Preto - nem todo mundo foi, mas um monte de gente de fora veio correr!).
Como cheguei entre os 1000 primeiros, isso representa um resultado 39900% melhor do que o almejado. Uh-hul!
Ou seja: aumente em 400 vezes o número de participantes e coloque isso como meta. Você atinge mesmo sendo o último.

Objetivo para a próxima:
Chegar entre os 200 mil primeiros.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Som de liberdade

(se o ano começa depois do Carnaval, o Balelas e Abobrinhas segue o calendário. Aqui está o primeiro post do ano. Feliz 2011.)
Durante anos foi a mesma coisa. Raquel ficou sem olhar para o lado. Aliás, para quaisquer lados, para cima ou para baixo, para onde quer que não fosse a face de seu namorado. Não que ela tivesse alguma segunda intenção em olhar ao redor para ver o movimento, mas mesmo checar a fonte de uma casual conversa sem pé nem cabeça na mesa atrás dela no restaurante era proibido.
A realidade daquele casal era tão imersa no ciúmes de Tato que, para Raquel, todas ações que seriam consideradas absurdas por observadores alheios eram plenamente naturais. Todas. Até mesmo aquela ligação para confirmar que ela chegara em casa entre 10 e 12 minutos depois de ter saído da casa dele - sempre, sempre do telefone fixo. Ou então as ligações que ele fazia para o fixo da casa dela na madrugada, para ver se ela atenderia. Tudo normal.
Ela também já não estranhava mais a censura imposta por ele aos porta-retratos de sua casa, onde vez ou outra apareciam seus irmãos, sempre junto à família, em ocasiões de viagens e festas. Olhar uma dessas fotos chegou até mesmo a ser motivo para um dos incontáveis fins do namoro, sempre reatados horas depois do rompimento.
Não adiantava avisar. A melhor amiga tentou, a irmã e até a mãe, que não gostava de interferir nesses assuntos, deu leves conselhos. Raquel sabia que só ela estava dentro da relação e só ela sabia ver as coisas como ela realmente eram.
Sem mesmo se dar conta, Raquel foi montando suas defesas. Não contava nada ao namorado que pudesse trazer qualquer atrito à relação. Por isso nem mencionou o que estava acontecendo no conservatório onde estudava piano. Ao chegar para uma das aulas, apressada - chegar com atraso era um costume irremediável - ouviu a alguns metros da porta um delicioso som de jazz.
"Sabia que Diana Krall combinaria com seu estilo...", disse ela distraída ao passar pela porta. E então se deu conta de que não era sua velha professora que virava para a cumprimentar, mas um jovem que nunca havia visto.
"Olá, tudo bem? A Marta está um pouco doente, vou dar a aula no lugar dela. Meu nome é Indré Anca. Brincadeira, é André Inca. Prazer."
Ok, aquilo era uma surpresa, mas nada de mais. Não precisava ser mencionado. Era irrelevante. Na semana seguinte André anunciou que Marta ficaria afastada mais algumas semanas, mas, passado o susto inicial, aquilo era mais uma coisa a se acostumar.
Susto mesmo ela teve depois de sua primeira aula explicitamente de jazz. Ele percebeu que ela tinha uma queda pelo ritmo e ela já entendera que ele sabia do assunto ao ouvi-lo tocar pela primeira vez. "Me dá seu telefone? Eu queria te convidar para sair", disse André ao fim da aula. Ela corou, disse que não podia e fugiu dali o mais rápido possível.
Minutos depois ela recebeu uma ligação no celular. Era André. A primeira pergunta dela foi como ele havia conseguido aquele número. "Bom, o jazz é caracterizado pela improvisação. Como você fugiu, eu improvisei. Não é lá muito certo, mas peguei seu telefone no sistema de cadastro de alunos. Eu queria mesmo sair com você..."
"Não posso, eu tenho namorado ".
Bom, por aquilo, ele não esperava. Pediu desculpas e desligou, mas algo nela o fazia querer insistir. Nas aulas, sempre que podia, entrava no assunto. Ela não dava brecha, mas parecia se divertir e isso era mais combustível na motivação de André. Ele pediu pra que ela ficasse alguns minutos a mais na aula. "Não posso. É tudo cronometrado", respondeu antes de correr pra casa e ligar, do fixo, para Tato.
André vivia preparando surpresas, por meio de músicas ensinadas em aula cuja letra ia dizendo tudo o que ele não podia expressar. Sem que ela fizesse muito, ele já estava apaixonado. Ela não sabia o que sentia, mas gostava daquilo.
Um dia, tudo fez sentido. Tudo o que as amigas, a irmã, a mãe haviam falado desabou como como tempestade de verão diante de si. Os muros erguidos em torno de sua relação, a prisão na qual vivia fez sentido quando, por acaso ela despertou de um cochilo enquanto Tato tomava banho. Ela havia dormido sobre o celular dele - que sempre ficava em alerta vibratório - e a luminosidade repentina emitida pelo visor a fez acordar. Havia uma mensagem na tela. "Ontem foi maravilhoso. Espero você semana que vem". Ela marcou como não lida e correu rapidamente pelas outras mensagens. Havia poucas, mas deu para entender. Enquanto ela fazia aulas de piano, ele se encontrava com uma garota chamada "Loja de ferramentas". Ao menos era assim que seu nome aparecia nos contatos.
Deixou o celular dele sobre a cama, aberto nas mensagens, pegou suas coisas e saiu.
Poucos minutos depois seu celular começou a tocar, mas ela esperou chegar em casa e ligou do fixo. "Nunca mais me ligue. Acabou."
Bloqueou as ligações de Tato. E resolveu mudar o toque de celular. Escolheu Diana Krall, com I've Changed My Adress. Ela resolveu, aliás, que mudaria outras coisas dali em diante. Resolveu escutar o som da liberdade.