quinta-feira, 8 de julho de 2010

Funesta ficção, chocante realidade

Foi uma vendedora que se tornou amiga, de tão boas indicações, quem me apontou os livros de Tess Gerritsen. Virou um nome certo em minha estante. Hoje, precisamente, passei por 90 páginas de leitura sem esforço, na sala de espera da médica, que por ter esse nome já me faz pensar sempre em ter um livro à disposição – leitura bem mais aprazível que revistas antigas ou de laboratórios farmacêuticos. Esta é a quarta obra assinada por ela que leio. Por acaso, se chama "O Jardim de Ossos".

O enredo começa com uma mulher recém separada que compra uma casa com grande terreno e resolve dar um jeito no jardim. Quando começa a cavar, descobre que, em vez de um quintal, tem um sítio arqueológico. Ali ela encontra o esqueleto de uma mulher com marcas no crânio, indício de assassinato. Ela resolve descobrir quem era aquela mulher e porque ela fora enterrada tão rasamente ali, onde agora deveria ser sua área de lazer.

Fico imaginando essa cena ocorrida com qualquer um de nós. Encontrar ossos humanos ao sulcar a terra para plantar flores e arbustos; comprar uma propriedade e, na reforma, e descobrir restos mortais concretados em uma parede. Tenebroso.

Mais tenebroso, entretanto, que a ficção é a realidade. E é triste saber que parte da funesta narrativa do livro pode se apresentar assustadoramente tão perto, nos fatos que não saem da mídia, dominam os telejornais e até os programas matutinos, estampam manchetes em jornais impressos e virtuais, inspiram piadinhas de um humor dolorosamente negro, ainda que sejam apenas piadinhas.

Nesse flerte horrendo entre criações artísticas e as notícias nefastas, lembrei-me ainda de uma cena de Snatch - Porcos e Diamantes em que corpos eram atirados a uma certa espécie de suínos, capaz de deglutir carne e ossos e fazer cadáveres desaparecerem como se nunca tivessem existido.

Indubitavelmente a inventividade humana poderia criar uma trama em que uma jovem como Eliza Samudio ficasse grávida de um ídolo do clube mais popular de futebol do país do futebol, como o goleiro Bruno, do Flamengo, e já tendo dado à luz esse filho fosse cruelmente morta, esquartejada, seus pedaços jogados a pit bulls raivosos e seus ossos concretados. Mas é pesararosamente difícil crer que essa mesma inventividade humana seja capaz de, além de criar, executar uma obra tão hedionda, como os indícios e depoimentos levam a crer.

Tais fatos extrapolam a concepção de humanidade (descrita na acepção de número 2 do Houaiss como "sentimento de bondade, benevolência, em relação aos semelhantes, ou de compaixão, piedade, em relação aos desfavorecidos").

Na ficção, o sofrimento é enclausurada com o último ponto final.
Na realidade, infelizmente, os pontos finais são o início do sofrimento.

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