O enredo começa com uma mulher recém separada que compra uma casa com grande terreno e resolve dar um jeito no jardim. Quando começa a cavar, descobre que, em vez de um quintal, tem um sítio arqueológico. Ali ela encontra o esqueleto de uma mulher com marcas no crânio, indício de assassinato. Ela resolve descobrir quem era aquela mulher e porque ela fora enterrada tão rasamente ali, onde agora deveria ser sua área de lazer.
Fico imaginando essa cena ocorrida com qualquer um de nós. Encontrar ossos humanos ao sulcar a terra para plantar flores e arbustos; comprar uma propriedade e, na reforma, e descobrir restos mortais concretados em uma parede. Tenebroso.
Mais tenebroso, entretanto, que a ficção é a realidade. E é triste saber que parte da funesta narrativa do livro pode se apresentar assustadoramente tão perto, nos fatos que não saem da mídia, dominam os telejornais e até os programas matutinos, estampam manchetes em jornais impressos e virtuais, inspiram piadinhas de um humor dolorosamente negro, ainda que sejam apenas piadinhas.
Nesse flerte horrendo entre criações artísticas e as notícias nefastas, lembrei-me ainda de uma cena de Snatch - Porcos e Diamantes em que corpos eram atirados a uma certa espécie de suínos, capaz de deglutir carne e ossos e fazer cadáveres desaparecerem como se nunca tivessem existido.
Indubitavelmente a inventividade humana poderia criar uma trama em que uma jovem como Eliza Samudio ficasse grávida de um ídolo do clube mais popular de futebol do país do futebol, como o goleiro Bruno, do Flamengo, e já tendo dado à luz esse filho fosse cruelmente morta, esquartejada, seus pedaços jogados a pit bulls raivosos e seus ossos concretados. Mas é pesararosamente difícil crer que essa mesma inventividade humana seja capaz de, além de criar, executar uma obra tão hedionda, como os indícios e depoimentos levam a crer.
Tais fatos extrapolam a concepção de humanidade (descrita na acepção de número 2 do Houaiss como "sentimento de bondade, benevolência, em relação aos semelhantes, ou de compaixão, piedade, em relação aos desfavorecidos").
Na ficção, o sofrimento é enclausurada com o último ponto final.
Na realidade, infelizmente, os pontos finais são o início do sofrimento.
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