terça-feira, 20 de julho de 2010

Bolsa campanha

— Etibaldo, vem cá.

— Chamou?

— Senta aí. Precisamos conversar… algumas coisas vão mudar por aqui.

—Mas senhor… o senhor não pode me demitir, não, senhor. Lá em casa as contas num cabem no salário… se eu for…

— Não é isso Etibaldo. Fica calmo. Primeiro eu queria dizer que você é o tipo de pessoa que a gente precisa aqui e então eu decidi te recompensar melhor, te dar esse voto de confiança. Então vamos lá… quanto você ganha?

— 800 dinheiros, senhor.

— Não precisa me chamar de senhor. Agora vamos ficar de igual pra igual. Me chame de Aníval. Quanto você acha que seria um bom salário pra você Etibaldo.

— Ah, senh… …. seu Aníval. Eu fico até sem graça sabe? Mas uns 1200 dinheiros já me ajudavam muito.

— Quantos filhos você tem?

— Dois, sen.. seu Aníval.

— Então coloque os dois na escola particular. Você vai ganhar, agora, 2400 dinheiros.

— Obrigado, s… seu Aníval. Nossa… meu sonho era dar educação melhor pros meninos…

— Tem carro, Etibaldo?

— Tenho um Del Rey, mas ele bebe muito. Venho de ônibus. Gasto o dobro do tempo, mas economizo…

— Nã-nã-não, Etibaldo. Vende esse Del Rey velho aí, pega o der, junta com esses 1000 dinheiros que eu vou te adiantar aqui, dá entrada num Golzinho e me traz o valor das prestações que eu te dou adicional. E mais o que você for gastar de combustível. Você tem que vir trabalhar de carro, Etibaldo. E ainda vai ter mais tempo pra ficar com a família.

— Seu Aníval… nunca ninguém fez uma coisa dessas por mim. Pode ter certeza que eu vou ser o funcionário mais trabalhador e honesto aqui, seu Aníval. Pode apostar.

Um ano mais tarde, Etibaldo pediu as contas, recebeu um ótimo acerto e juntou a grana com todos os dinheiros poupados no período: os filhos nunca puseram os pés em uma escola particular. O transporte nunca deixou de ser o ônibus. Na casa de Etibaldo, ninguém vira uma nota a mais de dinheiro. A falsa parcela do carro, que jamais fora comprado, e o valor do combustível foram meticulosamente depositados em uma conta. Com a bolada conseguida em 12 meses, Etibaldo abriu sua própria empresa, concorrente de Aníval. Com táticas agressivas de mercado, levou o ex-chefe à falência em poucos anos.

Com o bolso cheio de dinheiros, Etibaldo quis mais. Então decidiu ser deputado.

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A campanha eleitoral já começou e, por isso, resolvi republicar esse texto escrito em outro blog, na época do escândalo conhecido como "farra das passagens aéreas", em que deputados foram acusados de vender bilhetes de sua cota parlamentar.

Pesquise os envolvidos nesse e em outros escândalos antes de apertar os numerinhos da urna nesse ano.

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