quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Olhar-bisturi-por-favor

Beatriz poderia ter o sorriso largo como destaque. Aberto, flagrante, curvilíneo, desenhado com cuidado entre as maçãs de sua face, revelando dentes harmoniosamente femininos. Encantador. Aliás, essa característica poderia ter 100% de citação em uma pesquisa espontânea realizada entre homens sobre o que mais lhes chamava a atenção no rosto de Beatriz. Poderia, se não fosse por Julio.

Ele destoaria na pesquisa. Para ele, o sorriso de Bia era sim muito belo, até convidativo. Porém o que mais o intrigava naquela mulher eram seus olhos castanhos, olhos grandes e levemente puxados, olhos que poderiam ter sido única e suficiente inspiração de Shotaro Ishinomori, rei dos mangás, ao criar seus desenhos. Mas mais que aqueles contornos debuxados com esmero, o que o desconcertava era o que estava por trás, um mistério esfíngico difícil de ser percebido, longe de ser desvendado.

“Olha pra mim”.

Julio pediu, Bia olhou. Meio intrigada, totalmente querendo saber o porquê daquilo. Foi um olhar rápido, no curto tempo para abrir um sorriso sem graça. Ela desviou os olhos para a esquerda. Depois, para baixo.

“Obrigado”.

“Por que isso?”

“Porque seus olhos são fantásticos.”

As maçãs do rosto dela começaram a amadurecer.

“Eles não têm nada de mais”.

“Têm sim. Mas eu não preciso tentar te convencer disso. Eu olho para eles e sei disso. Ah, talvez você também saiba, só não queira admitir”.

Com as faces rubras e febris de Lilly Braun ela pediu que mudasse de assunto. Ele mudou, até porque não ousava ir além. Um reluzente anel prateado na mão esquerda dela o intimidava e ele a respeitava. Mas, apesar de controlar a boca, não conseguia controlar seus próprios pensamentos, que lhe tiraram o sono naquela mesma noite. Levantou da cama e se rendeu a um poderoso relaxante muscular que certamente o derrubaria.

Dormir foi muito pior. Aqueles olhos apareceram grandes, enormes, colossais, em sonhos que misturavam paixão e terror. Por outro lado, o tormento pré e pós-sono o fizeram acordar com versos na cabeça, rapidamente registrados em um bloquinho que Julio providencialmente mantinha no criado mudo. Não era um poema, mas uma letra de música, o que o fez rir ao pensar que ficaria bem como quinto integrante dos Beatles, se tivesse nascido em data e local convenientes: se Paul despertara com a melodia de Yesterday na cabeça, cabia-lhe um letrista com o mesmo dom, considerando-se que os primeiros versos iniciais da canção foram “scrambled eggs / oh my baby how I love your legs”.

No dia seguinte, enviou a ela, por e-mail, a letra e os pedidos antecipados de desculpas, jurando que não era uma cantada. Seria uma inspiração, apenas.

Ela entendeu e, mesmo sabendo que não se tratava de uma cantada, calculou que, se assim o fosse funcionaria muito bem. De fato, já havia funcionado. Ela já não andava tão bem com um namorado e aquele gesto despretensioso de Julio havia sido o estopim. Nunca haviam feito algo como aquilo para ela.

E nem se tratava de uma letra de música. Ela queria alguém que realmente mergulhasse em seu olhar.

----------------------------

De: Julio

Para: Beatriz

Bia,

Desculpe a ousadia. Juro que não é cantada. Mas seu olhar me rendeu uma noite mal dormida e uma letra de música, que transcrevo abaixo.

Bj

Julio

  • A princesa e o dragão
  • As estrelas lá do céu
  • A princesa e o dragão
  • O unicórnio e os olhos daquela menina
  • Todos obras de suas mãos

  • Tem gente que nunca viu
  • Tem gente que nunca vai ver
  • Tem gente que prefere crer
  • Há quem duvide por princípio
  • Quem creia apenas no princípio
  • Mas eu simplesmente sei: ela olhou pra mim

  • Aqueles olhos nos meus olhos
  • Não me deixam dormir a me atormentar
  • Será que ela olhou pra mim? (No way!)
  • Aqueles olhos nos meus olhos
  • Não me deixam acordar, vivo a sonhar
  • Ela olhou pra mim, ela olhou pra mim... Eu sei

  • Foi como olhar um espelho
  • Só que sem refletir
  • Fui deixando pra trás suas órbitas
  • À minha direita sonhos, à esquerda desilusões
  • Pra trás o passado e lá no fundo... eu

  • Tem gente que nunca viu
  • Tem gente que nunca vai ver
  • Tem gente que prefere crer
  • Há quem duvide por princípio
  • Quem creia apenas no princípio
  • Mas eu simplesmente sei: ela olhou pra mim

  • Aqueles olhos nos meus olhos
  • Não me deixam dormir a me atormentar
  • Será que ela olhou pra mim? (No way!)
  • Aqueles olhos nos meus olhos
  • Não me deixam acordar, vivo a sonhar
  • Ela olhou pra mim, daquele jeito... Eu sei

  • (Trecho narrado)
  • Ela olhou pra mim daquele jeito
  • Me olhou com aquele olhar meio sem jeito
  • Não um simples olhar, mas um olhar-anestesia
  • Olhar-bisturi-por-favor
  • Olhar-cirúrgico, cardíaco sabe?
  • Olhar-cardiovascular
  • Me olhou com aquele olhar que brilha como Hatori Hanzo antes da degola
  • Sem pretensões suicidas, eu que sei
  • Mas a egípcia Íris me devora, e me consome
  • E me dá fome
  • Alimenta meu vício, com esse olhar-pão, olhar-ópio
  • Dá-me de comer, de beber
  • Não, dá-me apenas de ver
  • Digam o que quiserem, riam nos montes, sussurrem nas alcovas
  • Só EU sei o jeito que ela olhou pra mim...

Nota: a letra da música é autoria de Vitor Martinez e o texto é como um trabalho de engenharia reversa submerso em criatividade. Com esse post, comemoro ter internet novamente em casa , na confiança em que os post serão, pelo menos, semanais.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Elmolhado

O grão de areia é estéril. Pelo menos foi isso que sempre ouviu dos outros grãos de areia. E olha que não são poucos que ele conhece. Sempre sendo levado pelo vento de um lado para o outro, independente de sua vontade. Esse fator é conhecido entre os grãos de areia do deserto como moeda. Afinal, tem seu lado bom e ruim. O bom é que, por vezes, quando rodeado por grãos briguentos ou chatos os sopros lhe poderiam levar para um lugar mais sossegado. O ruim é que, por vezes, em tais situações eles teimavam em aparecer ou, apareciam no melhor da festa e espalhavam os felizes dissipando a felicidade.

A comunidade dos grãos de areia do deserto é repleta de mitos e memórias de antigos que ninguém nunca viu. Grãos que teriam vivido por ali tempos atrás, que deixaram suas histórias ali e há muito foram soprados pra só Deus sabe onde. Essas lendas falavam a respeito da alegria e felicidade que a água trazia. As noites de lua cheia eram as favoritas. Eram nelas que os grãos mais velhos se animava a contar tais histórias - essa é uma tradição encontrada em todo o deserto. Eles falavam sobre a alegria e fertilidade trazida pela água. Segundo consta, água é uma substância suave, gelada e que provoca arrepios. Os anciãos dizem que são esses arrepios que provocam a vida. Dizem que em alguns lugares há tanta água que os seres se locomovem através dela, sem nem sequer tocar os grãos; estes apenas assistem a dança desses bailarinos chamados de peixes. Apesar de linda, essa estória encontra pouca credibilidade dentro da comunidade. Se houvesse tanta água assim, certamente ela chegaria até ela!

Mas quase todos crêem na existência de rios. Sim, eles cortam longas porções de terra e mesmo os grãos que não estão à sua margem sentem o prazer trazido pela água. Os animais caminham de um lado para outro, cuidam de suas famílias, buscam alimento e renovam sua juventude bebendo do rio. Certamente eles se arrepiam com ela. Sim, eles não são estéreis.

É isso mesmo! Quase ninguém acredita em peixes, quase todos acreditam em rios mas existem aqueles que duvidam de tudo isso. Isso ocorre porque há um boato que a água se parece com o xixi dos animais. Só que não é tão quente e não tem aquele gosto e cheiro terríveis. É bem verdade que receber uma esguichada de um xixizinho de lagarto pode ser muito refrescante durante um banho de sol escaldante. Outro fator que promove a descrença é: Por que alguns grãos de areia seriam privilegiados com a água e outros passariam toda sua existência à mercê do sol e dos ventos, tendo como atenuante fétidos excrementos de animais? Se realmente há essa infinidade de água, por que nunca se viu no deserto nem um grão dela?

O fato é que, sendo mito ou realidade, os grãos não possuem patas ou asas, o que lhes impede de buscar livremente seu lendário Elmolhado. Os que têm fé - e talvez até os que não têm - rezam para se enroscarem em algum viajante, ou para que os ventos os levem de encontro a esse paraíso. Enquanto aguardam essa incerta realização, uns sobrevivem com uma esperança que nunca se concretiza e outros com a amargura de, contra sua vontade, terem sido separado para compor paisagem tão inóspita.

Isso tudo, claro, referente àqueles que estão agitados e se mantêm à superfície. Há aqueles que se cansaram da movimentação e da interminável espera. Esses estão nas profundezas, soterrados, escondidos na escuridão. Otimistas irremediáveis afirmam que quanto mais descem, mais perto do Elmolhado estão.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Valeu Malandragem!

Pronto, já passou! As manchetes mudaram!
A Globonews agora trata do anúncio da NASA de que há outras formas de vida (na terra). No boteco o papo é o Campeonato Brasileiro - com mais torcedores do Fluminense em São Paulo do que no Rio de Janeiro. As pessoas estão preocupadas com o amigo secreto, com seus planos para o Natal e Ano Novo. Falando nisso, se eu fosse da indústria de brinquedos criaria os hominhos do BOPE, estilo G.I. Joe. Ia ser a grande febre da molecada neste fim de ano. Também daria pra fazer os vilões: Fernandinho Beira Mar, Elias Maluco, Zeu etc.

A criançada ficaria feliz, minha indústria ganharia muito dinheiro, eu conseguiria fazer a economia girar. As lojas precisariam de mais vendedores, assim, mais pessoas receberiam salário. Mais assalariados seriam mais consumidores do BO.PE. Joe.

E tudo isso se possível fosse só assim seria graças aos traficantes. Todo esse bem econômico, se tangível, seria fruto da mente doentia dos meliantes. Internada em hotéis de segurançamáxima a cúpula da bandidagem revelou-se megalomaníaca - vamos iluminar a cidade do Rio de Janeiro. Talvez a inspiração tenha vindo da Idade Média quando, em plena Inquisição, as ruas eram iluminadas por corpos em chamas. Sim, os malucos resolveram queimar ônibus e carros de trabalhadores por ai.

Ah, mas que grande ideia! Que grande benefício para a sociedade - especialmente para os moradores das favelas. Pense comigo: não fora esse surto do comando do Comando, as coisas permaneceriam como sempre foram. O tráfico continuaria a todo vapor, as armas e atrocidades ainda seriam rotinas nos morros hoje ocupados pelo Estado.

Após tantos desserviços e maldades, enfim uma contribuição social.

Valeu Malandragem!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Desfazendo a confusão. Ou tentando... | Bem-feito, benfeito e bem feito


Escrever não é tarefa fácil e desconfio de quem acredita que seja.

Por isso, por mais talentoso que eu seja (ou que digam que eu seja), sempre estou consultando o dicionário, um guia ou manual, seja para desfazer uma dúvida, seja para buscar uma palavra melhor que aquela que está na minha cabeça.

A reforma ortográfica veio para bagunçar um pouco mais o coreto. Mais um guia foi somado às minhas obras de referência (Guia Prático da Nova Ortografia Michaelis - Ed. Melhoramentos). Mas o volume não basta, às vezes. E acabo procurando algumas coisas no Google mesmo.

Bem-feito | Benfeito | Bem feito

Depois de ler num lugar que não revelarei que algo estava "benfeito", a dúvida surgiu em meu coração e piorou depois que me garantiram que, após muito debate, chegara-se à conclusão que, pela nova ortografia, o certo seria escrever tudo junto.

Fui correndo ao VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa) que, para meu espanto, traz a palavra benfeito, assim, tudo junto. Pra mim, ainda contrariava a lógica (advérbio é advérbio, até que uma exceção chegue na casa).

Em seguida, fui ao Google ver o que já se havia falado. E muitos sites indicam que "bem-feito" perdeu o hífen e se tornou "benfeito". Só pra citar três, vejam esse e esse.

Então escrevi à Academia Brasileira de Letras. Recebi resposta no mesmo dia. Eis:
O prefixo bem- (antônimo de mal) se escreve com hífen antes de qualquer letra: bem-acabada, bem-bolada, bem-humorada etc. Exceções: benfazejo, benfazer, benfeitor, benfeitoria, benquerer, benquisto, benquistar e benquerença. Bem-feito, adjetivo, = bem-acabado. Esta cama está bem-feita. Este livro está bem-escrito. Ele o faz , e faz muito bem-feito. Escreve-se benfeito aglutinado, sem hífen, como substantivo, no sentido de "benfeitoria". Escreva: Bem-vindo (saudação) e Benvindo (nome próprio).

Bom. O advérbio bem tem suas exceções. Mas bem-feito não é uma delas.

Então:
benfeito: substantivo.
bem-feito: adjetivo.
bem feito: interjeição (não está na resposta da academia, mas vale a palavra do gramático Evanildo Bechara).

Espero que ajude.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Olhos nos olhos


Achou melhor engatar ré para ficar com o rosto à sombra, mas a marcha não entrou.
Olhou para o câmbio e percebeu que, no carro da amiga, o movimento era diferente do que fazia no seu. Engatou, deu ré devagar e viu a sombra da árvore, projetada pela luz do poste, cobrir lentamente o painel do carro. Desligou o motor e aguardou. Enquanto isso, checou no retrovisor o cabelo chanel loiro. Achava estranho ver-se daquele jeito, mas não seria nem um pouco difícil encontrar um homem — vários, na verdade — que afirmasse que ela ficaria linda de qualquer jeito.

Não demorou muito e viu o portão que observava se abrir. Um homem saiu na calçada, distraído. Falava ao celular. Ela percebeu que poderia estar bem mais perto que ainda assim ele não a veria, mas, enfim, toda precaução era válida. Ele entrou no carro, deu partida e saiu.
Ela foi atrás.

Dois dias antes, aquela mulher resolvera agir. No começo da noite se encontrara, numa livraria, com o homem que vira apenas duas vezes. Pegou um livro qualquer, escolheu uma poltrona da área de leitura e passou a fingir que se interessava por aquelas páginas. Não precisou fingir muito, pois logo o homem sentou-se ao se lado. Começaram a conversar disfarçadamente, segurando a voz.

— O que você queria falar comigo? — ela perguntou.
—Sabe as fotos, todas as outras coisas...
— O que é que tem?
— Quero que você me pague. Me pague que eu te entrego.
— Eu já te dei o dinheiro!
(pausa)
— Você não gostaria que esse material todo, todas essas fotos, chegassem às mãos de seu marido, queria? — fez uma cara inquiridora. — Então, a gente faz assim. Finge que você não me pagou ainda. Tenho certeza que você não vai se opor. Aí você me paga e fica tudo certo.

Ela pagou. Era melhor acalmar a situação e fazer as coisas do seu jeito. Levou dois dias para acertar tudo, arrumar a peruca, pegar o carro da amiga emprestado. Agora ela estava agindo, confiante, seguindo de longe o carro que ia à sua frente.

Ele deu seta no meio de um quarteirão de um bairro tranquilo. Não faltava lugar para estacionar, mas não havia uma árvore sequer para lhe dar a égide da escuridão. Decidiu que ficar no carro poderia chamar mais atenção do que uma loira qualquer que descesse depois de encostar. Saiu com o celular na mão, como se atendesse a uma chamada, deu a volta por trás do carro e viu que a casa à sua frente tinha uma reentrância para o portão. Ficou ali, escondidinha, observando uma mulher sair ao encontro do homem que ela seguia, agora encostado em seu automóvel.

Sentiu os músculos do pescoço retesarem.
Os dois estavam se beijando com entusiasmo.

Entraram no carro. Ela deixou o esconderijo calmamente, fingindo novamente estar em uma ligação e sentou-se no banco do motorista. Assim que o casal saiu, ela deu partida. Ela tinha certeza do tipo de destino, mesmo que não soubesse exatamente qual o destino do casal.

O destino era o motel Angelique. Afastado, às margens da rodovia. Esperou que eles entrassem e, então, não fez mais questão de se esconder. Parou bem à rampa de saída, desceu do carro e esperou, mesmo sabendo que iria demorar. Acendeu um cigarro. Outro. Mais um intervalo de espera e acendeu o terceiro. A cada vez que o portão levantava, ela erguia a cabeça para ver qual era o carro e, em seguida, virava o rosto para proteger a identidade de quem saía. Poderia ter visto a todos ali, se quisesse. Mas queria ver apenas um só.

O portão levantou, assim como seus olhos. Era ele. E ela. Jogou o cigarro no chão e esperou o momento certo. O momento em que os olhos dele encontraram os dela. Então, tirou a peruca. Viu os olhos dele crescerem.

Ao ver o beijo dos dois um pouco mais cedo naquela noite, ela teve a certeza que seu marido a traía. Sua ação dera muito mais resultados que a do pretenso detetive que ela contratara e que ainda a extorquira, ameaçando entregar ao marido todo material que ela cedera para a suposta investigação.

Ela tinha certeza que ele a traía.
Agora, ele tinha certeza que ela sabia.

Jogou a peruca sobre o banco do passageiro, entrou, deu partida e foi ser feliz com alguém que a merecesse.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

ele, ela, lhe, lha

É bem verdade que não há quem não a olhe quando ela entra. O tipo de mulher que tem uma presença que enche o ambiente. Evidentemente ele a viu no primeiro dia. Ela não deixa a ninguém a alternativa de não notar sua beleza. Ainda assim, para ele ela era apenas mais uma bela. Uma das mais belas mas mais uma bela.

Ele e ela se cruzaram diariamente, mas a nebulosidade nos olhos dele cobriam-lhe o brilho do sorriso dela; e isso durou! Quase como que uma estação do ano. E foi mesmo assim, como que numa mudança sazonal que as nuvens dos olhos dele se dissiparam. Sim, as nuvens não são nem eternas e nem estáticas. Mais cedo ou mais tarde elas se cansam e se mudam ou se atiram lá de cima.

Foi quando a névoa dos olhos dele deu lugar ao brilho do sorriso dela. Mas aos olhos dela o sorriso dela ainda era um mistério. "Como tantas nuvens podem desaparecer assim tão de repente?"Só quem viveu as tempestades dos topos dos montes conhece a força dos ventos que sopram por lá.

Agora, às portas de um novo verão, cheio de vida, vigor e renovação ele tenta explicar a ela a altitude em que enfrentava tempestades tão terríveis e como foi trazido à estabilidade pela instabilidade atmosférica.

Assustada por suas próprias tempestades ela se recusa a acreditar que tormenta tão grandiosa possa se dispersar tão rapidamente. Ela bem sabe quão longos podem ser os temporais. E ela não está enganada! Longas foram as agitações e muitos os relâmpagos e trovões. Mas tudo ocorreu distante de seus olhos. Apenas os últimos pingos molharam seus pés o que lha confundiu o fim pelo início.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Eu fico puto!

Eu fico puto!
Quantos são os otários como eu que enriquecem esse bando de filho da puta que vem cobrar uma conta que você pagou meses depois. Sabe porque isso acontece? Porque otários são desorganizados e num país onde você nasceu pra ser fudido esses idiotas ficam ricos sugando cada centavo que você não tem.

Eu fico puto!
Porque eu vivo num país desgraçado onde quando um velho filho da puta bate no seu carro você é orientado a fazer um acordo. MANO, EU TÔ CERTO! COMO VOU FAZER UM ACORDO? Não vejo outra alternativa a não ser concordarmos com o seguinte: PAGUE O MEU CARRO, VIADO!

Eu fico puto!
Porque não apenas a VIVO quer sugar o último fôlego de vida da sua garganta. A TVA, por volta de um ano e meio depois de você cancelar e pagar o seu contrato, vem te cobrar uma dívida QUE NÃO EXISTE! Sabe porque eles fazem isso? PORQUE JÁ DEU TEMPO DE VOCÊ MUDAR DUAS VEZES DE CASA, SE SEPARAR DA MULHER E TER JOGADO FORA A PORRA DO COMPROVANTE DE PAGAMENTO.

Eu fico puto!
Porque não tenho alternativas! O que vou fazer? Vou parar de comer pra engordar esse bando de urubus?

Eu fico puto!
Porque se eu cruzar na rua com o presidente de uma dessas empresas não tenho a menor condição de quebrar a cara deles. Por que? Porque ninguém sabe quem esses viados são! Eles te roubam e te fodem no anonimato!

Eu fico puto!
E é por isso que mando esse recado pra vocês que comprar produtos de beleza fazendo a caveira de otários como eu:
VÃO TODOS TOMAR BEM NO MEIO DO SEU CÚ!!!

sábado, 24 de julho de 2010

A primeira lembrança do futebol

Sabe-se lá porque, fui começar a gostar de futebol muito mais tarde que as crianças costumam nesse país. Até existe uma foto de quando eu era bem pequeno com uma camiseta que estampava o escudo de um clube, o Atlético Mineiro. Sim, eu, nascido no interior de São Paulo, sem família em Minas, com uma camisa do Galo. Diz minha mãe que é porque estava em promoção. Mas não era mesmo algo pelo qual eu me interessasse. Naquela época, eu gostava de Fórmula 1 (e dá-lhe Ayrton e Piquet).

Bom, eis que eu tinha, pra mim, uma triste primeira lembrança de uma partida de futebol. Um choro de criança. Um choro de criança que não entendia patavinas de futebol, mas estava lá torcendo pelo Brasil em seus pênaltis diante da França na Copa do México. Pois foram aqueles pênaltis que tiraram a seleção da copa me fizeram gritar em prantos um idílico "tem que dar mais uma chance, tem que dar mais uma chance".

Digo idílico pra não dizer ridílico. Ops, ridículo. Na minha fantasia, tinha razão de ser. Como profundo conhecedor das regras estipuladas pela International Board e pela FIFA, eu acreditava que era o árbitro quem determinava quantas cobranças seriam feitas. Então, era natural que fossem pedidas mais uma ou duas cobranças ali, pra ter certeza que era a França quem merecia se classificar. Ah, eu tinha 6 anos.

Triste primeira lembrança de uma partida. Uma desclassificação da seleção brasileira em Copa do Mundo. Que coisa.

Naquele ano eu tive uma festa de aniversário muito legal, temática, justamente sobre futebol. Considerei-a legal já na ocasião não porque o esporte me encantasse, como já relatei, mas pela magnificência do bolo: um campo de futebol completo, com 22 bonequinhos, 10 deles com camisas amarelas e shorts azuis e 10 com camisas vermelhas (os goleiros provavelmente usavam outra roupa, mas não lembro). A bola caprichosamente arranjada repousava nas redes do time adversário.

No mesmo dia da festa, feita em um clube, o Brasil venceu a Polônia por 4 a 0.
Mas foi só esses dias que eu me dei conta que essa era, na verdade, minha primeira lembrança de uma partida de futebol.
Faço aniversário em 7 de junho. Se aquele era um jogo de copa, como eu achava que era, só podia ser ANTES da eliminação para a França. Resolvi pesquisar e (re)descobri que foi mesmo, uma partida antes, nas oitavas de final da Copa de 1986. A partida foi no dia 16. Confirmei com minha mãe: a comemoração foi mesmo com atraso para coincidir com o jogo.

Não me lembro o que ganhei de presente. Mas o presente que ganhei agora, 24 anos depois, foi ver que minha primeira lembrança de uma partida de futebol não foi uma desclassificação de copa, mas uma goleada.

Minha relembrança coincide com um período em que a seleção caiu, de novo, nas quartas. Assume o comando, agora, Mano Menezes, que na primeira convocação já tenta fazer uma reviravolta.

A gente não sabe o que vai dar. Mas espero sinceramente que Mano e a seleção consigam cavar a memória e colocar em campo um futebol belo, vistoso e vitorioso, capaz de apagar o choro amargo e nos deixar lembranças doces como goleadas.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Bolsa campanha

— Etibaldo, vem cá.

— Chamou?

— Senta aí. Precisamos conversar… algumas coisas vão mudar por aqui.

—Mas senhor… o senhor não pode me demitir, não, senhor. Lá em casa as contas num cabem no salário… se eu for…

— Não é isso Etibaldo. Fica calmo. Primeiro eu queria dizer que você é o tipo de pessoa que a gente precisa aqui e então eu decidi te recompensar melhor, te dar esse voto de confiança. Então vamos lá… quanto você ganha?

— 800 dinheiros, senhor.

— Não precisa me chamar de senhor. Agora vamos ficar de igual pra igual. Me chame de Aníval. Quanto você acha que seria um bom salário pra você Etibaldo.

— Ah, senh… …. seu Aníval. Eu fico até sem graça sabe? Mas uns 1200 dinheiros já me ajudavam muito.

— Quantos filhos você tem?

— Dois, sen.. seu Aníval.

— Então coloque os dois na escola particular. Você vai ganhar, agora, 2400 dinheiros.

— Obrigado, s… seu Aníval. Nossa… meu sonho era dar educação melhor pros meninos…

— Tem carro, Etibaldo?

— Tenho um Del Rey, mas ele bebe muito. Venho de ônibus. Gasto o dobro do tempo, mas economizo…

— Nã-nã-não, Etibaldo. Vende esse Del Rey velho aí, pega o der, junta com esses 1000 dinheiros que eu vou te adiantar aqui, dá entrada num Golzinho e me traz o valor das prestações que eu te dou adicional. E mais o que você for gastar de combustível. Você tem que vir trabalhar de carro, Etibaldo. E ainda vai ter mais tempo pra ficar com a família.

— Seu Aníval… nunca ninguém fez uma coisa dessas por mim. Pode ter certeza que eu vou ser o funcionário mais trabalhador e honesto aqui, seu Aníval. Pode apostar.

Um ano mais tarde, Etibaldo pediu as contas, recebeu um ótimo acerto e juntou a grana com todos os dinheiros poupados no período: os filhos nunca puseram os pés em uma escola particular. O transporte nunca deixou de ser o ônibus. Na casa de Etibaldo, ninguém vira uma nota a mais de dinheiro. A falsa parcela do carro, que jamais fora comprado, e o valor do combustível foram meticulosamente depositados em uma conta. Com a bolada conseguida em 12 meses, Etibaldo abriu sua própria empresa, concorrente de Aníval. Com táticas agressivas de mercado, levou o ex-chefe à falência em poucos anos.

Com o bolso cheio de dinheiros, Etibaldo quis mais. Então decidiu ser deputado.

**********

A campanha eleitoral já começou e, por isso, resolvi republicar esse texto escrito em outro blog, na época do escândalo conhecido como "farra das passagens aéreas", em que deputados foram acusados de vender bilhetes de sua cota parlamentar.

Pesquise os envolvidos nesse e em outros escândalos antes de apertar os numerinhos da urna nesse ano.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Funesta ficção, chocante realidade

Foi uma vendedora que se tornou amiga, de tão boas indicações, quem me apontou os livros de Tess Gerritsen. Virou um nome certo em minha estante. Hoje, precisamente, passei por 90 páginas de leitura sem esforço, na sala de espera da médica, que por ter esse nome já me faz pensar sempre em ter um livro à disposição – leitura bem mais aprazível que revistas antigas ou de laboratórios farmacêuticos. Esta é a quarta obra assinada por ela que leio. Por acaso, se chama "O Jardim de Ossos".

O enredo começa com uma mulher recém separada que compra uma casa com grande terreno e resolve dar um jeito no jardim. Quando começa a cavar, descobre que, em vez de um quintal, tem um sítio arqueológico. Ali ela encontra o esqueleto de uma mulher com marcas no crânio, indício de assassinato. Ela resolve descobrir quem era aquela mulher e porque ela fora enterrada tão rasamente ali, onde agora deveria ser sua área de lazer.

Fico imaginando essa cena ocorrida com qualquer um de nós. Encontrar ossos humanos ao sulcar a terra para plantar flores e arbustos; comprar uma propriedade e, na reforma, e descobrir restos mortais concretados em uma parede. Tenebroso.

Mais tenebroso, entretanto, que a ficção é a realidade. E é triste saber que parte da funesta narrativa do livro pode se apresentar assustadoramente tão perto, nos fatos que não saem da mídia, dominam os telejornais e até os programas matutinos, estampam manchetes em jornais impressos e virtuais, inspiram piadinhas de um humor dolorosamente negro, ainda que sejam apenas piadinhas.

Nesse flerte horrendo entre criações artísticas e as notícias nefastas, lembrei-me ainda de uma cena de Snatch - Porcos e Diamantes em que corpos eram atirados a uma certa espécie de suínos, capaz de deglutir carne e ossos e fazer cadáveres desaparecerem como se nunca tivessem existido.

Indubitavelmente a inventividade humana poderia criar uma trama em que uma jovem como Eliza Samudio ficasse grávida de um ídolo do clube mais popular de futebol do país do futebol, como o goleiro Bruno, do Flamengo, e já tendo dado à luz esse filho fosse cruelmente morta, esquartejada, seus pedaços jogados a pit bulls raivosos e seus ossos concretados. Mas é pesararosamente difícil crer que essa mesma inventividade humana seja capaz de, além de criar, executar uma obra tão hedionda, como os indícios e depoimentos levam a crer.

Tais fatos extrapolam a concepção de humanidade (descrita na acepção de número 2 do Houaiss como "sentimento de bondade, benevolência, em relação aos semelhantes, ou de compaixão, piedade, em relação aos desfavorecidos").

Na ficção, o sofrimento é enclausurada com o último ponto final.
Na realidade, infelizmente, os pontos finais são o início do sofrimento.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A seleção, quem faz, é você!


Acabou-se a Copa para nós. O Brasil tomou dois gols da Holanda, foi desclassificado, voltou pra casa e Dunga foi demitido.

Ninguém foi recebido com festa — a Argentina, registre-se, mesmo perdendo por 4 a 0, foi recebida com glórias. Por que? Porque a seleção deles foi feita com a cara e o espírito do torcedor.

Já a base do time que nos representou foi o comprometimento, mesmo que o talento não fosse lá essas coisas. Ou seja, o Rabiola, que joga em todas as posições - menos no gol - do Matinha, time da disputa a série B do amador, e é o cara mais comprometido do racha, ainda que seja um perna de pau, poderia ter sido convocado. Assim como eu ou você.

Voltando ao espírito do torcedor: foi pensando nele que a CBF tomou sua mais nova decisão. O torcedor será o técnico. A cada vez que for necessário, todos os torcedores serão conclamados a votar e escolher de tudo. Com a internet 2.0, decidir substituições, por exemplo, vai ser uma tarefa muito rápida (com certeza mais rápida do que a apresentada na última Copa).

Para se ter uma ideia da dimensão do poder que está nas mãos dos torcedores, na próxima Copa, toda a escalação será feita pelo povo. É isso mesmo! A partir de agora, somos mesmo milhões de treinadores e poderemos convocar quem a gente considera melhor.

Imagine se, pra essa Copa que passou, a gente já pudesse ter feito isso.
Na sua seleção, quem seria convocado? Ganso, Neymar, Ronaldinho Gaúcho?
Quem teria ficado de fora? Precisa citar?

E como os torcedores farão sua escolha? Simples: pelo voto.
Tenho certeza que, sendo essa um escolha tão importante, o torcedor não vai levar em conta apenas o "comprometimento" (leia-se "promessas"). Vai ser preciso mostrar serviço em campo, conhecimento das regras do jogo, domínio de bola, boa troca de passes com companheiros de outras posições e, claro, fazer gols a favor ou impedir os contra.

Então a seleção se tornará a cara do povo brasileiro.
E, todos juntos vamos, pra frente Brasil.

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ERRATA:
O texto acima apresenta algumas imprecisões.
Em vez da CBF, quem garante o direito ao voto é a Constituição.
Em vez de torcedores, leia-se eleitores.
Em vez de jogadores da seleção, é possível escolher os governantes do país.
A medida não é assim tão nova. Voltou a valer em 1989.
Este ano mesmo tem convocação, ou melhor, eleições.
Em vez de quatro anos de preparação para um mês de competições, a competição ocorre em alguns meses e os vencedores continuam no poder por quatro anos (isso se não sofrerem lesões ou forem suspensos ou expulsos por indisciplina).

RECOMENDAÇÃO FINAL:
Escolha seu governante com cuidado.
O resultado pode trazer mais alegrias que uma Copa do Mundo. Ou mais tristeza.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Felicidade sim


O tempo é remédio e carrasco

Dizem que existem coisas que só se resolvem com ele

E que mais cedo ou mais tarde ele resolve a gente


É claro que isso a quem ainde escreve e lê

Os que não podem mais não precisam de remédio

E após a execução podem zombar do verdugo


Tempo versus lápis

Me pergunto quanto tempo é preciso para se escrever um verso

Quando não se está mais à mercê de suas garras


Indagações à parte

Há lugar para esperança - que a letra vença o luto

E assuma o lugar do tempo na tarefa do sarar


É que falam que o tempo passa

Mas ele estava aqui antes de mim e tudo indica

Que mesmo depois que eu for ele ainda vai ficar


Fica então a gratidão

Que a letra do mago sare as feridas

Desses que ainda fogem das mãos do algoz.


Tristeza não tem fim. Adeus Saramago.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Que mãe que nada: padecer no paraíso é torcer pra seleção de Dunga




Acabou a primeira rodada da Copa do Mundo. E já começou a segunda no mesmo dia.

Eu poderia fazer um balanço do que aconteceu até aqui, falar, da pior média de gols da história de copas na primeira rodada (1,56 por partida), da dificuldade dos favoritos – e aí destaque para Suíça, time bisonho com gol bizarro, que fez a fúria espanhola virar um simples piti –, de vuvuzelas de plástico ou humanas (expressão de Diogo Mainardi), a mais corneteira delas Maradona.

(Parênteses titânico: de Maradona vale a pena falar um pouco. Hoje o técnico demonstrou toda sua empáfia, atirou para todos os lados e me lembrou o Titanic. Sim, o Titanic. Messi é sua casa de máquinas e ele, o próprio capitão Edward John Smith. Suas falas parecem a do panfleto da White Star Line, companhia do transatlântico, que dizia: "concebido para ser inafundável". Tirando os próprios Argentinos, creio que o mundo torce para que a imodéstia deslavada naufrague diante de um iceberg na Copa mais fria da história. Seria esse iceberg a Coreia do Sul? Descobriremos em algumas horas.)

Mas, entre tantos assuntos... vou falar de mim.
Afinal, até eu consigo ser tão interessante contra a seleção brasileira diante de adversários mais fracos.

É uma brincadeira, claro. De certa forma, com um fundo de verdade, pois vou avaliar o que escrevi há quase três anos sobre o time de Dunga. Nesse próprio blog fiz (péssimas) previsões sobre um jogo contra o Chile e, depois, analisei o resultado da partida.

Apesar de, para aquele jogo, eu só ter acertado que Robinho faria gol, muito do que eu escrevi ainda valeu para a estreia na Copa de 2010 contra a Coreia do Norte!

Vejamos:
O que ficou claro no jogo é que o Brasil depende de um homem só. Robinho é tudo.
A seleção de hoje tem mais destaques. Tem Maicon destruindo na lateral, Lúcio arrebentando na zaga, em um nível tão elevado que Juan, também um gigante, chega a ficar apagado. Tem também Julio César no gol (ainda sem trabalhar muito). Até Elano, que critiquei daquela vez, tem sido sinônimo de eficiência. Mas, convenhamos: Robinho é futebol brasileiro. É quem pega, vai pra cima, dribla, dá passe inteligente, põe fogo num time de frio a morno. Mesmo com listinha de destaques, ainda dependemos de Robinho.

(...) falta ligação neste setor do campo [meio]. Até o mais juninho jogador de Elifoot, um clássico dos jogos simples e divertidos, sabe que um time sem meio-campo é um time morto! E ter três volantes é ficar sem ligação entre defesa e ataque.
Falei tudo. Daquela vez. Ligação entre defesa e ataque é o que reclamo há três anos. Pra piorar, só temos Kaká em todo o elenco convocado como meia de criatividade. O bom é que os laterais-esquerdos jogam, há tempos, como meias. E tem o Daniel Alves, convocado como lateral direito, jogando um bolão. Mas enquanto Kaká não entra no ritmo e os laterais não são aproveitados no meio, dá-lhe chutão.

Mas em tudo há um lado bom. É o que dizem. E como futebol, por mais que tentem, não é um negócio que se explique direito (e não é essa a graça?) e por mais que a gente tenha sofrido ultimamente com a seleção – e saiba que tem muito mais a sofrer nessa Copa –, Dunga ganhou tudo como técnico. A gente meio que padece no paraíso.

Paraíso. Nas copas, ele tem forma de taça. E sabemos que só chegamos lá por meio da cruz.
Carreguemos, então, essa seleção.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Quem diz "CALA BOCA GALVAO"? | Just like a wavin' flag


Adoro piadas. Até as bobas. Ainda mais as inteligentes.
Por isso sou contra alguns exageros do politicamente correto – uma expressão, aliás, que é uma piada por si só.

Mas também tenho algumas ressalvas a outros exageros.

Para chegar onde eu quero, vou lembrar um caso que foi bastante comentado: a comparação do King Kong com um jogador de futebol feita por Danilo Gentili. A piada foi feita no Twitter:
"King Kong, um macaco que, depois que vai para a cidade e fica famoso, pega uma loira. Quem ele acha que é? Jogador de futebol ?"

Bom. A piada causou celeuma. Gentili foi acusado de racismo por muita gente.
Quando vi, pensei: "Gente... ele não falou qual era a cor do jogador na piada...".
Ah, mas acharam que o jogador deveria ser negro porque o King Kong é um macaco?
Peraí, então? O preconceito estava onde? Em quem escreveu ou quem leu? Se a cena clássica (e consequentemente a piada) tivesse acontecido com o Godzilla, que é sabe-se-lá-o-que, não haveria problema algum, então? Pra se pensar.

Enfim, não sei se virou alguma coisa. Sei que li, depois um post fantástico feito pelo Gentili em seu blog.

Agora temos em pauta uma outra piada iniciada no Twitter, essa de proporções globais (trocadilho!).
CALA BOCA GALVAO.

A expressão ocupou por uns bons dias o lugar máximo entre as mais digitadas no microblog. Hoje a expressão não estava no topo, mas aparecia ainda em segundo, atrás apenas do atacante paraguaio Roque Santa Cruz (que não fez nada no jogo contra a Itália. Vai saber como parou lá).

Até aí, tudo bem. O próprio Galvão Bueno levou a piada na esportiva.
Mas a piada não parou por aí.

Logo a expressão virou uma campanha internacional para salvar os pássaros Galvão e a campanha se tornou hit na voz de Lady Gaga (ou Lady GaGalvão, como diz a música).

É claro que a campanha e a música são piadas. Ok.
O problema é que a tal campanha foi vendida ao restante do mundo como sendo verdadeira e convocou os gringos a dizerem CALA BOCA GALVAO (assim, em maiúsculas) no Twitter para salvar as aves raras. E muitos brasileiros começaram a se gabar da habilidade de "enganar o mundo". "Brasileiros enganam o mundo de novo", comemoram.

Fazer a piada, ok. Muito legal. O vídeo é engraçadinho. E muito bem feito. A narração britânica e a utilização das cenas do filme Chico Xavier são excelentes sacadas.

Mas daí a "enganar o mundo"... é um pouco de exagero, não é?
Seria mais legal, acredito, fazer os gringos rirem da piada junto conosco. E entrar na campanha para fazer piada também.
Ou então, num caso nobre, aplicar o mesmo esforço para uma campanha verdadeira, que realmente valesse a pena, seja qual fosse (boa) causa.

Fazer a piada por fazer ou simplesmente porque ela está na moda deixa a gente "just like a wavin' flag" como diz a música da Copa, apontando para o lado que está o vento.

sábado, 12 de junho de 2010

Final de Copa: Brasil x Argentina


Apenas duas pessoas sagraram-se campeãs em uma Copa como jogadores e como técnicos. Zagallo e Beckenbauer. Em 2010, mais um se somaria à conta.
Esse duelo paralelo entre Dunga e Maradona era um entre tantos da final que estava para começar. Brasil e Argentina pela primeira vez decidiam o Mundial. A novidade coube à África do Sul, palco de uma Copa inacreditável.
Jogo truncado, com duas equipes se arriscando pouco, esperando um ataque para poder partir para o contra-ataque. E foi justamente em um contra-ataque que tudo aconteceu.
O Brasil finalmente pressionava, aos 30 do segundo tempo, quando Mascherano rouba a bola e faz um lançamento certeiro para Messi, que dispara sozinho para disputar a jogada com Julio César.
A bola quica uma única vez no chão e ganha altura. Lúcio corre atrás de Messi, mas o atacante continua à frente. A bola começa a descer. Ao seu encontro, Julio César e Messi sobem no ar.
Messi parece não ter chance. Mas a bola dividida no ar voa na direção do gol.
Gol da Argentina.
Gol de mão.
Num flash, vejo o Olé do dia seguinte estampar “La mano de Dios 2 – Argentina Tri”. Imagens na TV mostram Maradona pelado pelas ruas de Buenos Aires.
Minha visão volta ao campo. Messi corre para o banco de reservas para abraçar o técnico. Mas quem é aquele no banco? Que máscara negra é aquela?
Darth Vader! O que ele faz no banco da Argentina? Messi o abraça.
Darth Vader tira a máscara... e revela o rosto de Diego Armando Maradona. Ele puxa o ar e diz: “Messi... yo soy tu padre... qrrrsssssssssssssssss...”.
Acordo com dores. Sempre tenho pesadelos quando a ceia é farta.
Coisa para nunca mais se repetir em época de Copa.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Se os pais já não educam e os avós estragam, vai querer que o Tio (Sam) chame a responsabilidade?


Sou um fã um tanto quanto desnaturado do seriado Sex and the City.

Já assisti algumas temporadas e quando a série virou filme, me recusei a assistir! "Primeiro quero assistir a todos os episódios, depois vejo o filme".

Só que essa ideia de assistir a todos os episódios não se concretizou até hoje. E com o lançamento do 2° filme, entrei na onda da HBO e assisti O Filme.

Talvez uma das partes que mais gostei é quando Miranda (Cynthia Nixon) está no consultório de uma terapeuta com seu marido. O conselho é mais ou menos assim: "ou vocês colocam uma pedra nas coisas que aconteceram e seguem a vida, ou a vida é que não vai seguir".

Isso é ao mesmo tempo sensacional e óbvio! É a sabedoria do lugar comum.

O premiê de Israel, Binyamyn Netanyahu deveria ser apresentado àquela conselheira!

Tudo bem, a pessoa tem quer ser imbecil para negar o Holocausto, mas ele acabou, passou. Não bastasse seu terrível acontecimento, alguns esclarecidos sabem um pouco de como foi a criação do Estado de Israel.

Não bastasse o genocídio de 6 milhões de judeus no século XX teremos agora, homeopaticamente, a morte dos cerca de 1,5 milhão de habitantes da Faixa de Gaza? Será que tudo o que Hitler conseguiu ensinar aos judeus foi como matar inocentes? Sim, inocentes! Se todos ali fossem terrorista suicidas eles se explodiriam ali mesmo e, ainda assim, fariam um puta estrago!

O fator trágico/cômico disso tudo é que a relação EUA/Israel parece escrita por Glória Perez. Tente se lembrar do casal César e Ilana (Antonio Calloni e Ana Beatriz Nogueira, respectivamente) eles achavam lindas as barbaridades cometidas por seu filhinho Zeca (Duda Nagle). Seja honesto comigo! A coisa não é por ai? A Casa Branca parece não ter olhos para as atrocidades de Israel. E será que só tem esses dois adultos nessa bola azul? Pelo amor de nós! Alguém tem que fazer alguma coisa! Se os pais já não educam e os avós estragam, dependemos que o Tio (Sam) chame a responsabilidade!

O que parece ser irônico é que turcos - sim, aqueles mesmos do Império Otomano que até o começo do século XX levavam terror a muitos habitantes daquela região - foram mortos armados com remédio e arroz.

Tragédia, comédia, ironia etc, de tanta qualidade que nossos escritores só conseguem retratar. Nessas horas chego a lamentar que O Autor não faça uso do Ctrl Z.

sábado, 5 de junho de 2010

O monstro da janela



CHAMADA 1

— Bombeiros, emergência.

— Moço, socorro! Tem um monstro horrível aqui em frente de casa

— Calma senhora. Poderia informar seu nome?

— Moço... tá aqui na minha janela, com cima da árvore. SOCORRO!

— Senhora, peço calma. Como é esse... (titubeia).

— Monstro! É monstro! É preto! Tem uma espada que sai da boca. Os olhos parecem de vidro. Ele tá olhando pra mim. ELE TÁ OLHANDO DIRETO PRA MIM!

— Mantenha a calma, senhora. Pode me informar seu nome e endereço, por favor.

— Renata! Socorro!

— Renata Socorro?

— Não, moço, só Renata. Ou melhor, Renata Azambuja. Socorro é o que eu to pedindo.

— Ok, senhora Renata Abujamra...

— Azambuja!

— Certo, senhora Renata... qual é o seu endereço?

— Asas! Tem asas essa coisa.

— O quê?

— O monstro! Tem terríveis asas negras. Arrrrhhhhh.... acabei de ver!

CHAMADA 2

— Bombeiros, emergência.

— Ahhhhh! É a Renata de novo!

— A Renata Socorro?

— Azambuja! SOCORRO!

— Nós já enviamos uma equipe até aí. Devem estar chegando.

— Mas tem outro monstro agora... lá no chão... eu to vendo daqui.

— Ahn...

—Tem pernas enormes, compridas... e usa alguma coisa na cabeça. SOCORRO!

— Senhora Renata, a senhora usou algum tipo de psicotrópico nos...

— NÃO! Tem dois MONSTROS aqui! Um tá na minha janela, em cima da árvore! Outro tá no chão, correndo de um lado pro outro na rua... oh, meu Deus! OH, MEU DEUS!

— O que foi, dona Renata?

— Será que o pernudo tá procurando o da espada? Será que eles são inimigos? Será que vai ter uma batalha bem em frente ao meu prédio?... MEU CARRO! Meu carro tá na rua...

CHAMADA 3

— Bombeiros, emergência.

—Oi cabo Rogério. Sou eu de novo.

— Sim, Renata, o que é agora?

— Eu só queria agradecer o trabalho de vocês. Foram tão eficientes. To tranquila agora. Ufa!

— Que bom. Nós só cumprimos nosso dever.

— De onde vieram aquelas coisas?

— Humpf... De uma mata próxima à cidade. Houve bastante derrubada de árvore lá para a construção de um condomínio e é por isso que está tendo tanta fuga.

— Fuga?

— É, dona Renata. Mas tá tudo sob controle agora.

— É. Ufa. Assim me sinto realmente segura.

— Quem tá em segurança mesmo são o tucano e a siriema que resgatamos aí...

— Hã?!?

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Hoje, 5 de junho, comemora-se o Dia Mundial do Meio Ambiente. E não preciso dizer que “comemorar” não é lá o verbo muito adequado. Já ouvi muita história de gente que vive tão no concreto que nunca viu galinha e vaca, a não ser na TV de cachorro ou no espeto. Vivo, só por foto, na televisão, no computador, no cinema... Ou seja, a natureza vira quase uma ficção, uma coisa de Avatar. E mesmo que a pessoa não ache mesmo que tucanos são monstros nem pense que florestas não existem, ela não vê muito motivo em defender algo que está tão distante.

Está em voga, já há alguns anos e com crescente força, uma onda ecológica/sustentável. Penso que percebemos a tempo, que dá pra salvar o planeta (com o saldo negativo de mais algumas espécies extintas), especialmente com o envolvimento do pessoal do concreto que antes não ligava para isso. Mas principalmente com a participação de grandes corporações. É claro que cada um pode fazer sua parte, rejeitar produtos de empresas que não têm uma política sustentável etc. Mas, no fim, é o envolvimento da grande indústria que vai fazer a diferença, a meu ver.

Ainda acredito que o Dia Mundial do Meio Ambiente posse ser realmente comemorado, celebrado, festejado, e talvez nem demore tanto. E, fala a verdade: melhor do que se ele fosse transformado no Dia Mundial de Recordar o Meio Ambiente, não é?

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Vale a pena ler também um outro texto que escrevi, relacionado a isso, alguns anos atrás:

Begônias me mordam

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Garça, o craque do ludopédio



Garça. Ele era o cara.
No Campeonato Brasileiro de 2117, não teve para ninguém. Foi disparado o melhor jogador em todos os fundamentos. Passes certeiros, cobranças de lateral e escanteio perfeitas, posicionamento a prova de impedimentos, um astro.
No futebol do século 22, ainda não surgira alguém tão completo quanto ele. Eficientíssimo, como exigiam todos os professores e torcedores. Futebol de resultados. Ele trazia os resultados.
Sua equipe, o iPhute, patrocinado pela marca líder dos aclamados nanocomputadores holográficos, tivera 98% de aproveitamento no campeonato. Um feito.
Um dos pontos percentuais perdidos se deve apenas a um zagueiro que, tomado por um impulso vinticentista, decidiu dar um drible no campo de defesa e perdeu a bola.
O outro ficou por conta de um erro da arbitragem. Depois de uma jogada confusa na pequena área, o goleiro do iPhute tirou uma daquelas bolas que parecem sair de dentro do gol, difíceis de saber se cruzaram ou não a linha da meta. O árbitro auxiliar, que não podia contar com recursos tecnológicos e teve de se desfazer até mesmo de suas lentes de contado que permitem zoom e acesso a informações na internet 32G, validou o gol. Mas depois foi facilmente comprovado que faltaram 12,54756 milímetros para que a bola cruzasse a linha por completo. Um erro monstruoso nas eras atuais.
Nada, porém, que abalasse a glória de Garça, já chamado de novo atleta do século e entronado como rei supremo do gramado artificial (mais macio e barato que o natural), jogador suficiente, sozinho, para trazer o 14º caneco para o Brasil na Copa de 2118, realizada na Micronésia, que já listava entre os três países mais ricos do mundo pelo tesouro em petróleo descoberto em sua camada ante-pré-sal.
Antes da Copa, o último amistoso, contra a Espanha, que chegara a fazer algum sucesso e conquistar um título no primeiro quarto do século 21, mas que agora ainda tentava se recuperar dos 22 anos de suspensão de todas as competições mundiais pela recusa em acabar com as touradas, o que só havia acontecido cinco anos antes.

Garça dava mais um show. Jogador sério, sem firulas, como a mídia e a torcida adoravam, dono de passes rápidos, sem jamais carregar a bola por mais que alguns pares de metros, evitando o encontro com o adversário.

Foi então que tudo desabou.

Aos 33 do segundo tempo, Garça disparou (em posição legal) para receber a bola na frente, já na ponta da grande área. Em vez de chutar a gol, entretanto, como sempre fazia com perfeição, sucumbiu à chegada do zagueiro que lhe perseguia.

Com um toque sutil por baixo da bola, fez com que ela descrevesse uma parábola sobre a cabeça do adversário que, por impulso, se virou para tentar o desarme, mas viu a bola passar entre suas pernas em mais uma peraltice de Garça. Para completar, o craque deu uma pancada de chapa na bola, que passou pertinho do ângulo direito e estufou a rede.

Garça já ia sair para comemorar quando viu que o árbitro vinha em sua direção com fogo nos olhos. Recebeu o cartão vermelho. Foi chorando para o vestiário e não teve condições emocionais de voltar ao gramado, nunca mais. Nem à Copa foi.

Mas também, aplicar um chapéu seguido de uma caneta com bola no ângulo era mesmo demais. Uma humilhação tremenda para o adversário, punível com cartão vermelho direto e talvez até suspensão na Justiça Desportiva.

Jogadas como aquela haviam acabado em meados do século 21, quando se percebeu que o chamado "futebol arte" nada mais era do que provocação, um intuito deliberado e quase criminoso de humilhar o adversário.

Depois disso, Garça abriu uma escolinha de ludopédio, um esporte muito parecido com o futebol, mas ainda assim totalmente diferente, em que o objetivo era demonstrar habilidade com a pelota. Os alunos começaram a perceber o quanto era legal fazer um simples drible, quem diria então um elástico. Com o passar das décadas, a escolinha de Garça cresceu e se tornou um império e sua arte se uniu ao antigo esporte.

Assim renasceu o futebol.

Garça morreu com 82 anos, dois dias depois de ver o time que fundara ganhar o primeiro campeonato nacional do novo futebol. Morreu feliz, como se acabasse de conquistar uma Copa.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

De volta

Encerrar um blog e dizer que um dia, talvez, quem sabe, se tudo der certo, se tiver mais tempo, etecetera e tal, volte geralmente é adeus. A volta fica só na promessa.

Mas o Balelas e Abobrinhas voltou. Nova cara (ainda vai melhorar), novos integrantes e, como diria o comercial do novo Uno, novo tudo.

Aqui vão entrar histórias irreais que bem poderiam ser verdadeiras e histórias verdadeiras que nem parecem reais. E as duas coisas misturadas.

Vai ser bem legal.
Volte sempre.