sexta-feira, 6 de julho de 2007

Begônias me mordam...


Começa assim. Você adora begônias e cuida de seus vasinhos com carinho. Um dia, do nada, você está calmamente prestando os devidos cuidados à planta e, de repente, uma flor pressente a aproximação de sua mão, dá o bote e... te morde! E mais: arranca um pedacinho do seu dedo. Mordida ao estilo Tyson.
Você acha que está ficando louco, mas o ferimento na sua mão e a dor provocada por ele te mostram que a realidade é bem... real!
Curativo feito, você percebe que seu cachorro não comeu. Você colocou a ração lá, bonitinha, a de sempre, com pedacinhos de carne, do jeitinho que ele adora e demonstra abanando o rabinho ao receber. Mas as bolotinhas estão intocadas. Elas foram colocadas no dia anterior e permanecem intocadas. Algo está errado. Melhor levar o cão ao veterinário.
Óculos desajeitados, cara de cansado, o veterinário te recebe como se você fosse mais um. E é. Ele sempre foi amigável, mas hoje está acabado. Todos os cachorros da cidade resolveram não comer. Os gatos também. Ah! E há um profundo silêncio canino e felino. Não há latidos nem miados.
Você resolve voltar pra casa com o cão no banco de trás, no fim do trajeto, vira uma esquina meio desatento e quase bate em uma árvore. Foi por pouco. Você leva um tempo pra entender a cena à sua frente. O que aquela árvore tá fazendo no meio da rua? Ela sempre esteve na calçada. É a mesma árvore. Você desvia, com cuidado, e percebe que todas as árvores estão fora de lugar. Tinha até uma que era sua predileta, pois dava sombrinha para o seu carro estacionado bem em frente de sua casa. Agora ela mora no terreno baldio do outro lado da rua. Olha! Tem pelo menos uma dúzia de árvores no terreno! Ele nem pode mais ser chamado de baldio.
Deu a louca no mundo, não em mim, pensa você. Entra em casa e alguém está vendo TV. Vem ver isso, te dizem. Todos os animais do pequeno zoológico da cidade viraram as costas para os espectadores. Invariavelmente, patos, cobras, harpias, tigres e macacos encaram o fundo de suas celas, imóveis, em uma catatonia lúgubre.
O chão, de súbito, foge do seu pé. Foge de novo. É uma vertigem, você acredita inicialmente, até se dar conta de que tudo está tremendo. É um terremoto. Não tem terremoto aqui, você pensa. Não tinha. Agora tem você está no meio dele. Na verdade, o mundo todo está se mexendo e você nem sabe. A natureza se revoltou até contra você, cultivador pertinaz de suas begônias, que antes gostavam só de água e alguma luz do sol, mas agora não rejeitariam um bifinho.
Toca o interfone. O terremoto tá mais ameno, mas não parou de vez. Você consegue chegar à cozinha pra atender o maldito aparelho — quem resolve tocar a campainha em meio a este terremoto, você pensa, irritado — e vê que as frutas e verduras compradas horas antes, que descansavam sobre a bancada, são atacadas obstinadamente por insetos. Sem cabeça pra formular a pergunta “de onde vieram estes bichos”, você atende o interfone e pergunta, rispidamente, quem é.
É a arvore da frente da sua casa, responde uma voz não-humana. Cansei do sol, quero entrar um pouco e desfrutar da sombra da sua casa, ela diz. Duvidando outra vez da própria sanidade, você fala palavras desarticuladas com uma boca mole que insiste em ficar aberta. A frase soa como “isto é piada?”. A voz responde que não. Sempre te dei sombra, rapaz, sempre, diz. É normal que agora eu queira algo de volta, e olha que sou educado, poderia ter arrancado seu portão, mas como você sempre cuidou das begoninhas resolvi ser camarada, completa o ser, a árvore. Ah, abra o portão do carro, senão não passo, ela ainda fala.
Ao menos me explique o que é isto, você sussura, quase implorando, semi-recuperado do torpor. Vou ser rápido, diz a planta. Um dia a natureza tinha que dar o troco ao homem, não?, estamos protestando, fazendo algo, discursa o vegetal. Você abre a boca pra tentar falar algo, mas pára no meio. Procura outra frase, tenta e segura as palavras outra vez. Quando finalmente sabe o que vai dizer, puxa o ar pra começar, mas engasga. Você engole uma mosca. Com medo do que aqueles outros milhares de insetos podem fazer, você larga o interfone pendurado, corre para seu quarto fechando as portas atrás de si. Está acuado e não tem como reagir. Não tem o que fazer pra se defender. Não resta nada a não se tornar uma vítima.
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Neste 7 de julho (7/7/7), será realizado em todo mundo o Live Earth, que tenta chamar a atenção para as causas ambientais. Há quem seja contra a realização de shows para a defesa do meio-ambiente. A banda inglesa Artic Monkeys está na lista. Argumentam, por exemplo, que roqueiros não são ideais para pregar esses ideais (“o que entendem disso?”) e que um só espetáculo consome energia que daria ao menos para umas dezenas de casas.
Eu vejo de outra maneira. Qualquer atitude para defender nosso grande (e verdadeiro) lar é válida. O discurso de “cada um fazer a sua parte” é simples, óbvio, batido, mas inteiramente verdadeiro.
As conseqüências da falta de cautela com o meio-ambiente podem não incluir begônias carnívoras nem árvores falantes, mas já começaram a aparecer. Se você mal se importa com o papo de aquecimento global et cetera, tenha certeza que um dia o assunto irá bater à sua porta. Quando sua casa for inundada com uma chuva misteriosa, suas férias forem interrompidas por ondas gigantes, os animais de sua fazenda começarem a ficar doentes de calor, sua produção for devorada por gafanhotos ou consumida pelo fogo, você vai se importar. Isto se você não estiver morto por algum episódio pitoresco causado por uma aberração da natureza.

2 comentários:

Thaís disse...

Voc� simplesmente me surpreende, sabia? V� l� que estou relativamente acostumada com tua criatividade, mas esse texto ficou show. Tou at� olhando meio torto pra um canteiro de l�rios perto do computador, aqui no hotel... E prometo que n�o vou deixar as violetas morrerem de sede quando meus pais forem viajar semana que vem! (s� uma brincadeira, sei que o texto tem uma mensagem mais s�ria que essa!)
Ali�s... voc� vai viajar em um post quando descobrir o que eu tou levando pra ti aqui de Londrina, hehehe!

Beij�o pra ti e pra Pri!

Anônimo disse...

Bem loko vc. Isso me fez lembrar a série de livros "Deixados para trás". Beijos