quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Sucesso pouco é bobagem

Compor uma música não é fácil. Ainda mais quando sua última criação ricocheteou em todos os cantos do Brasil, até mesmo nos reconditórios mais folclóricos do Acre, onde habitam seres como o Mapinguari e o Gogó de Sola, e o Boto é apenas um tio que faz compras no mercado. Ele agora queria mais. Queria deixar de ser um paralelo a Cristal Kay e Remmy Ongala e ganhar a América Latina, quem sabe também os Estados Unidos, alcançando ares e holofotes de uma versão masculina de Shakira. Ou melhor, Jeniffer Lopez. Tinha certeza que poderia atuar na frente das câmeras com o mesmo talento e desenvoltura que colocavam multidões para dançar em exposições agropecuárias, rodeios e nos mais variados eventos dedicados à produção das angiospermas e similares, como as festas da uva, do morango, da vitamina com leite e do artesanato de frutas de cera.
Por isso, dessa vez, era mais difícil. O sucesso anterior, embalado em uma batida contagiante e de harmonia clean, com poucos instrumentos musicais e grande destaque à sua voz característica, pegou rápido e certeiro como bote de sucuri e, adubado por um vídeo na internet, cresceu a um resultado mais espantoso do que os feijões de João no tempo do rei Alfredo. Os grãos de Phaseolus vulgaris da carochinha, aliás, são uma excelente metáfora também por sua instantaneidade. Naquela ocasião, ele levou apenas 15 minutos para conjurar letra e música, num insight digno de Newton e sua macieira.  Agora, já se iam 37 minutos e nem uma palavrinha havia sido deitada no papel.
Começou a procurar, ao menos, por temas. Voltou à infância no interior, onde a família com sete filhos vivia em uma casa simples, sem televisão ou camisinha. O pai, o seu Oliva, sustentava a todos seus rebentos – os oficiais, pelo menos -, cortando cana-de-açúcar e sempre trazia alguns gomos para casa, que eram sumariamente dizimados pelas crianças após as humildes refeições. Avançou um pouco a memória para o evento que mudaria para sempre as finanças familiares, dando condições de botar mais víveres na mesa e duas novas crianças no mundo.
Por obra de um irmão de seu Oliva, que lhe inflou de maneira indefessa a bolsa que abriga os lares esferoides de girinos unicelulares, a família se mudou para o litoral. Assim o chefe de família se juntou ao irmão no trabalho de estivador. Mas diferença mesmo fez o fato de dona Oliva sair de casa, já que os mais velhos podiam cuidar dos mais novos e os mais novos cuidar do fogão para o almoço e o jantar, para fazer um curso rápido e engrossar as fileiras dos novos soldadores da recém-aquecida indústria naval brasileira. Logo ela ganhava mais que o marido e toda a família saiu ganhando. O primogênito, Olivinha, saiu também cantando. Revelou uma imensa sagacidade para rimas óbvias e logo estava criando seus primeiros versos triviais.
A brincadeira logo ganhou ares de trabalho – lúdico, mas trabalho – quando ele começou a fazer apresentações em festas de amigos, e então de amigos de amigos, para conhecidos de amigos de amigos. Foi numa dessas festas que gravou o vídeo com sua extraordinária música, que seria em breve reconhecida por todo o país e tocaria em todos os tipos de festa, de qualquer classe social, remexendo corpos de todas as idades.
Lá se ia uma hora e nada de ideias. Nada. Até que, de inopino, saiu nu e aos berros, como Arquimedes. Ou melhor, aproveitou só a outra parte da história do multifacetado cientista e teve uma ideia bárbara num relance. Em poucas palavras resumiu toda a sua infância carente, desde os gomos de cana do pai aos navios petroleiros amalgamados pela mãe, e fez os versos que comporiam sua nova obra notável. Ou melhor, o verso. Só precisava de um.

Se quer chupar (cana) vem comigo navegar.

O sucesso do novo funk seria certeiro como feijões mágicos. Se não Phaseolus, indiscutivelmente vulgaris.

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Com tanta musa pelo mundo - e uma delas sob meu teto - seria improvável e é até irônico dizer quem me serviu de inspiração. Woody Allen. O velhote que é um dos maiores frasistas do mundo ou da história - ainda discute-se no debate entre eu e eu mesmo - me recheou a ideia de cabeças quando eu reli "Fora de Órbita" (o livro que contém o texto homônimo). No caderninho que deixo na cabeceira da cama brotaram vários rascunhozinhos e o que não germinou lá saiu direto para o Word e então para cá. Logo logo tem mais, na mesma linha. Obrigado Woody.