domingo, 24 de fevereiro de 2008

What do you need?

TODOS OS DIAS, quase o tempo todo, pelos outdoors, na televisão, revistas e principalmente na Internet, milagrosamente, algum pseudo-jornalista, pseudo-médico, pseudo-sexólogo ou pseudo-economista surge com alguma receita mágica para todos os problemas da humanidade. “Veja os 15 hábitos femininos que encantam os homens”. “Saiba por que os homens somem” “Ganhe dinheiro fácil”. “Emagreça rápido e sem esforço”. “Previsões para o seu futuro”. “Fique com o cabelo dos seus sonhos”. “Saiba como ter uma barriga de dar inveja”. “Fale inglês fluente em três meses...”

Caralho, desde quando as coisas são fáceis nessa vida? Vivemos em meio a intermináveis conflitos em um mundo onde o objetivo maior é nos vender sonhos em liquidações de ponta-de-estoque e a resposta para nossas aflições em até 36 meses para pagar. Não é fácil. E nós, pobres seres mortais, nos deixamos levar por essas mentiras baratas... Ok, eu entendo, não é fácil. Hoje você tem que ter conhecimento, independência financeira, controle emocional. Tem que ser sociável, amigável, compreensivo, maduro, saber lidar com as pessoas, saber falar, ouvir, saber as últimas notícias, se o dólar subiu ou caiu. É indispensável falar inglês fluentemente, saber trabalhar em equipe, conhecer novas culturas. Tem que cuidar da saúde, não pode ter celulite, tem que malhar mas não pode exagerar nos exercícios. Precisa ler diariamente, ir ao médico, não pode isso, nem aquilo... Life sucks!!!!!

FUCK!!! Tem dia que cansa. Hoje, a única certeza que tenho é que se quisermos alcançar metade desses requisitos acima e mais os outros incontáveis que nos são exigidos diariamente vamos terminar sozinhos e infelizes! Foda-se a independência feminina, fodam-se o controle emocional, o sucesso profissional, a liberdade... EU preciso do outro para construir algo junto e me realizar, para me tranqüilizar às vezes, e para compartilhar momentos, idéias e desejos. O que eu quero não está à venda na banca da esquina, na concessionária de automóveis ou descrito num holerite avantajado. Não preciso de remédios, atalhos ou fórmula mágica. Hoje eu necessito viver com as qualidades e os defeitos do outro e com as adversidades do mundo. Quero sobreviver às separações e superar as frustrações. Vou encarar a realidade sem narcóticos e livros de auto-ajuda. Que venham os erros, as falhas e as lágrimas. Que venham também os acertos, as alegrias e os sonhos intermináveis. Infelizmente, não há formula mágica. Talvez alguns atalhos nos ajudem. Mas pobre daquele que acha que pode comprar o que não está à venda. Infeliz daquele que ainda não tem PHD para entender o que significam quatro letrinhas quando ficam juntas:
A-M-O-R. Saca?!?

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

O blefador

João era um blefador, a começar por seu nome de família. Apesar de se chamar oficialmente João Pessoa, não morava em capital alguma, mas no interior, tampouco era ou pretendia ser político — muito menos ser assassinado por causa disso, como o homônimo paraibano.

João sabia um pouco de tudo e tudo de nada. Ainda na infância, exibia na parede do quarto três medalhas conquistadas nas equipes de futebol e bola queimada e no judô. A primeira, entretanto, era mérito dos colegas, para quem esquentava o banco. Na segunda, fora bem, embora seu amigo Salvador tenha carregado o time nas costas. A terceira era um prêmio de participação que, no quadro, passava fácil por vitória.

No falar, era mesmo bom. Nem precisava inventar histórias. Apenas contava o suficiente de fatos para que o restante fosse deduzido. Mal deduzido, a seu favor, claro. Falava de temperos e passava por cozinheiro, de estilos de pintura e passava por marchand, de táticas e passava por técnico de futebol, de varietais e passava por enólogo, de havanos e passava por charuteiro, soltava pequenas frases em francês e italiano e já era considerado poliglota. Tinha uma capacidade incrível para ler e assimilar fatos superficiais sobre assuntos dos mais diversos e, assim, com o pouco conhecimento lapidado em comentários certeiros, passava por intelectual.
Não gostava de escrever. Apesar do sobrenome de peso, jamais fizera uma poesia. Preferia o falar efêmero que, com o tempo, poderia até ser aumentado no boca-a-boca. Era conhecido nas rodas por falar somente o necessário. Às vezes, se limitava apenas a fazer um pergunta ao verdadeiro conhecedor do tema. A questão, de tão bem colocada, dava a João ares de sumidade, tanto quanto o do orador ocasional.
Quando uma questão lhe era dirigida, atuava. Costumava fazer longas pausas como se estivesse recalculando as órbitas planetárias, quando, na verdade, as cinco ou seis palavras que soltaria em seguida estavam em sua boca desde início da encenação. Muitas vezes, seus comentários se faziam ininteligíveis, mas seu ar dava o assunto por encerrado e o interlocutor, intimidado, fingia entender. Queria ser pop sem ser popularesco e, por isso, não gostava e não usava ditados populares. Mas foi traído por um deles. Da sorte no amor — com várias e várias mulheres que enganava com lábia vampiresca —, findou no azar do jogo.
Em uma festa que reuniu a fina nata da sociedade (de aparências) de seus recantos, arriscou-se na mesa de poker depois de um chianti. Perdeu dinheiro, perdeu credibilidade, perdeu moral sobre o tecido verde. Era irrefutável: no poker, não sabia blefar.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Ausência

Nunca conheci meus avós paternos, morreram antes de eu nascer. Minha avó materna morreu não faz muito tempo, acho que foi em 2003 ou 2004. Eu gostava dela, mas nunca tivemos uma relação dessas de “avós e seus netinhos queridos”. Ela sempre foi muito doente, sofria de depressão e um monte de doenças que, creio eu, foram causadas pelos muitos medicamentos que tomava. Quando ela partiu me entristeci muito - mas foi mais pela minha mãe, que sofria com sua ausência. Meu avô materno ainda é vivo, mas assim como foi com minha avó, não temos uma ligação forte. Ele foi um homem muito trabalhador, com um coração um pouco frio, mas é uma boa pessoa. Meu avô tem Parkinson e está bem velhinho.

Tenho muitos tios e primos por parte de mãe. Poucos da parte do meu pai. Quando era muito criança, meu tio, único irmão do meu pai, morreu com menos de 30 anos, com um câncer na cabeça. Não tivemos muito contato. Cresci meio distante dos meus primos. Ano passado, em novembro, perdi minha tia, única irmã do meu pai. Foi embora muito cedo também, tinha Chagas. Acho que essa foi realmente a primeira grande perda que sofri. Minha tia era muito amável, nunca se esquecia dos aniversários e sempre dava uma lembrancinha no Natal. Acho que a última vez que a vi foi no Natal de 2006. Quando ela morreu eu estava em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul e nem pude me despedir. Choro toda vez que me lembro dela, sem exceção. Ela foi-se muito cedo e deixou um rombo no meu coração. Passei praticamente 2007 todo em Curitiba enrolada com problemas trabalhistas, estresses por causa de emprego e não fui vê-la uma vez sequer. Isso dói. Eu sempre achava que ela ia melhorar e íamos nos ver novamente no Natal, como era de costume.

Nem sei por que estou escrevendo sobre isso, mas eu precisava. Meu cachorro Willy está com câncer, em fase terminal praticamente. Ok, cachorro não é gente. Talvez seja mais que gente. Há dez anos ele foi parte da nossa família: da hora que acordávamos até a hora de dormir estava por perto, fazendo companhia, pedindo carinho com aquela carinha mais amável do mundo e deixando nossa vida mais suave com sua “fofice”. Quando alguém chorava ele ficava maluco, subia na gente, ficava agoniado. Foi o cão mais amável que se pode imaginar. E logo vai partir e deixar a gente morrendo de saudades e com os olhos marejados, encharcados. Convivi desde criança com os animais e posso dizer: eles possuem uma sabedoria que não há entre animais humanos.

Eu ando bastante triste nos últimos dias. Difícil é não fazer um balanço da vida e ver o que realmente tem um peso eterno. No final das contas, você descobre que pode muito bem viver com muito pouco: pouca comida, pouca roupa, poucos bens, pouco luxo, pouco dinheiro. Difícil é viver sozinho. O foda mesmo é estar longe de quem a gente ama, daqueles que fazem nossa vida ter um sentido, que nos fizeram rir e hoje podemos morrer de chorar por eles. E assim a vida continua. Com muitas perdas e alguns ganhos. E a gente segue vivendo com um buraco no coração, um tijolo no estômago e um eterno nó na garganta chamado saudade.

"Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres,porque a ausência, essa ausência assimilada,ninguém a rouba mais de mim." (Ausência - Carlos Drumond de Andrade)

Ps. Escrevi isso no dia 13. Hoje o Willy nos deixou.