sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

O blefador

João era um blefador, a começar por seu nome de família. Apesar de se chamar oficialmente João Pessoa, não morava em capital alguma, mas no interior, tampouco era ou pretendia ser político — muito menos ser assassinado por causa disso, como o homônimo paraibano.

João sabia um pouco de tudo e tudo de nada. Ainda na infância, exibia na parede do quarto três medalhas conquistadas nas equipes de futebol e bola queimada e no judô. A primeira, entretanto, era mérito dos colegas, para quem esquentava o banco. Na segunda, fora bem, embora seu amigo Salvador tenha carregado o time nas costas. A terceira era um prêmio de participação que, no quadro, passava fácil por vitória.

No falar, era mesmo bom. Nem precisava inventar histórias. Apenas contava o suficiente de fatos para que o restante fosse deduzido. Mal deduzido, a seu favor, claro. Falava de temperos e passava por cozinheiro, de estilos de pintura e passava por marchand, de táticas e passava por técnico de futebol, de varietais e passava por enólogo, de havanos e passava por charuteiro, soltava pequenas frases em francês e italiano e já era considerado poliglota. Tinha uma capacidade incrível para ler e assimilar fatos superficiais sobre assuntos dos mais diversos e, assim, com o pouco conhecimento lapidado em comentários certeiros, passava por intelectual.
Não gostava de escrever. Apesar do sobrenome de peso, jamais fizera uma poesia. Preferia o falar efêmero que, com o tempo, poderia até ser aumentado no boca-a-boca. Era conhecido nas rodas por falar somente o necessário. Às vezes, se limitava apenas a fazer um pergunta ao verdadeiro conhecedor do tema. A questão, de tão bem colocada, dava a João ares de sumidade, tanto quanto o do orador ocasional.
Quando uma questão lhe era dirigida, atuava. Costumava fazer longas pausas como se estivesse recalculando as órbitas planetárias, quando, na verdade, as cinco ou seis palavras que soltaria em seguida estavam em sua boca desde início da encenação. Muitas vezes, seus comentários se faziam ininteligíveis, mas seu ar dava o assunto por encerrado e o interlocutor, intimidado, fingia entender. Queria ser pop sem ser popularesco e, por isso, não gostava e não usava ditados populares. Mas foi traído por um deles. Da sorte no amor — com várias e várias mulheres que enganava com lábia vampiresca —, findou no azar do jogo.
Em uma festa que reuniu a fina nata da sociedade (de aparências) de seus recantos, arriscou-se na mesa de poker depois de um chianti. Perdeu dinheiro, perdeu credibilidade, perdeu moral sobre o tecido verde. Era irrefutável: no poker, não sabia blefar.

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