sexta-feira, 23 de maio de 2008

O novo Homem de Lata



Se você pensa que tudo o que o Homem de Lata queria era um coração, deve estar pensando na história de Dorothy e o Mágico de Oz. O novo Homem de Lata é diferente. Pelo menos era.
O novo Homem de Lata nasceu simplesmente homem, com um coração. E não foi o feitiço de uma bruxa que o fez diferente... foi o trabalho conjunto de várias e várias feiticeiras em sua estrada dourada.
Não levaram seu coração. O enfeitiçaram para que ele mesmo o pusesse de lado e trabalharam bem para que fosse esquecido.

Por isso o novo Homem de Lata é diferente do amigo de Dorothy.
O novo Homem de Lata não quer um coração.

Seduzido por sortilégios vívidos e coloridos, o Homem de Lata se gabava de sua condição. "Me tornei um homem sem coração", dizia ao Leão amigo, que não tinha coragem de lhe mostrar a verdade: sem o órgão, Homem de Lata jamais seria feliz. Ele morreria.
Se, com o novo Homem de Lata, quase tudo é diferente da história de Oz, o final, de certa forma, é invertido. Se lá o mágico não passava de um charlatão, aqui uma pessoa comum se torna a verdadeira mágica.
Os dois se conheceram numa dessas estradas que cortam os reinos. Seu nome: Nova Dorothy. Ela só queria voltar para casa. Ele, ser o senhor supremo das feiticeiras. E o acaso fez com que seguissem nessa mesma estrada.
Inevitavelmente conversaram. Inevitavelmente se conheceram. E ela, sem nem se dar conta do próprio poder, foi o antídoto. O novo Homem de Lata, pela primeira vez em muito e muito tempo, lembrou de seu coração, mas ainda não se lembrava onde o havia deixado.
Com o passar dos dias, já não queria mais ser o senhor supremo das feiticeiras, mas não se desviava de seu caminho porque adorava estar ao lado de Nova Dorothy.
Numa das paradas na beira da estrada, em um dos hotéis, só havia um quarto diponível. Eles não se incomodaram em dividí-lo. O novo Homem de Lata dormiu ao lado de Nova Dorothy e acordou outra pessoa, como se sua pele nunca tivera sido fria como o metal. Percebeu que seu coração estava de volta no lugar. Nem perguntou a Nova Dorothy como ela havia feito aquilo. Achava também que ela pouco saberia a resposta. Simplesmente havia acontecido.

Naquela manhã, ele, que só costumava tomar café amargo, e ela, que pedia sempre leite sem açúcar, dividiram um pingado com leite condensado. O sabor foi deliciosamente doce. Perceberam que não queriam outra coisa. Os dois davam certo juntos.

Nova Dorothy voltou para casa. Levou o novo Homem de Lata junto. Ele topou sem hesitar.

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* Pessoal,
como dizíamos ali do lado, eu e a Pri não tínhamos muito lá o que fazer quando começamos com o blog. Mas o fato é que temos tido muito a fazer. O site ficou de lado, principalmente de minha parte. Com esse texto, uma homenagem a um grande amigo — na verdade, um irmão — encerro as atividades do Balelas e Abobrinhas. A Pri já toca seus projetos pessoais na web e eu, quem sabe, volte um dia. Foi bem bacana escrever aqui.
Obrigado a todos que um dia passaram pelo B&A e se divertiram.
Daniel

quarta-feira, 9 de abril de 2008

melancolia

Para atravessar abril é preciso antes de mais nada fé. Eu preciso de muita fé e viver cada dia sem ser esmagada pelo rolo compressor chamado lembranças. Abril é o mês em que, mesmo que nada de mau aconteça, meu mundo psicológico vem abaixo. Abril e dezembro estão na mesma escala de épocas mais difíceis e deprês do ano. Mas em abril... meu mundo se fecha. Eu bem que tento ficar distraída, me concentrar no trabalho – quando se tem um – e fazer de conta que foi ontem que escrevia mil novecentos e alguma coisa em algum documento que assinava. Puta que pariu, já é quase 2010, como pode isso? Para enfrentar abril também é preciso afastar da mente o lixo mental, emocional, psicológico. Só Deus sabe como minhas angústias de abril este ano estão à flor da pele. Apesar que, pra quem não tem alguém que te espera em casa quando você teve aquele dia de trabalho cão, tanto faz se é abril, julho ou dezembro...

Angústia do mês quatro é coisa minha, é quando me enfio num balanço dos doloridos pés na bunda, dos patéticos amores desfeitos. Sim, para atravessar abril, ter um amor seria importante, mas eu nunca consegui. Quando cheguei perto, ele partiu, sem o menor pudor, sem pena. Pra encarar abril vou inventar então um “amor-faz-de-conta” – pois só nos “faz-de-conta” da vida é que eles existem - com mãos dadas, suspiros, juras de amor, projetos, abraços, carinhos nas costas e beijos, muitos, bem molhados.

Amores perdidos, amigos distantes, crises familiares, lembranças amargas. Como não se lembrar dos que se foram, desejar o que não se teve, lamentar o tempo desperdiçado, sonhos assassinados, esquecer o ex-namorado, a frustração profissional, as feridas à bala curadas com band-aid??? Não é fácil ver abril passar sem me fechar num mundo sombrio onde as desgraças sociais e pessoais me dão a impressão de serem maiores do que são. Já pensei em aprender violão, massotarapia, iôga, estudar astrologia, um novo idioma... Coisas assim, quem sabe, me levariam à alienação, ao esquecimento.

Sei lá, o que acontece quando acrescento mais um ano de existência nesse mundo cheio de interrogaões. Só sei que estou, mais uma vez, atravessando abril com um nó na garganta, um tijolo no peito e uma eterna companhia chamada saudade. Saudade do que já se foi, do que nunca vai ser e principalmente, do que poderia ter sido.

Ai que horror, isso é está tão depressivo que vou mudar de assunto já. Vou fazer de conta que ainda escrevo mil novecentos e alguma coisa em algum lugar e que ainda tenho um futuro brilhante pela frente e que um dia, um dia, um dia, eu vou ficar eufórica em ver abril chegar.

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Ps. Esse, finalmente, é meu último post aqui. Quem quiser me encontrar estou no http://maionesetrip.blogspot.com/ Valeu pessoas. FUI!

segunda-feira, 31 de março de 2008

dry land

"The sea's only gifts are harsh blows, and, occasionally, the chance to feel strong. Now, I don't know much about the sea, but I do know that that's the way it is here. And I also know how important it is in life, not necessarily to be strong, but to feel strong, to measure yourself at least once, to find yourself at least once in the most ancient of human conditions, facing the blind, deaf stone alone, with nothing to help you but your hands and your own head.
"(chris mccandless in "into the wild")

segunda-feira, 17 de março de 2008

Keep running

Odeio clichês. Pessoas-clichês, manias-clichês, lugares-clichês, frases-clichês: “Dá um beijinho que passa”. “Quando casar sara”. “Quem espera sempre alcança”. Esse último é o pior. Quem espera nem sempre alcança – ou quase nunca alcança coisa alguma. Às vezes, por mais que você tente, se empenhe, se anule, lute ou batalhe, algumas coisas não vão acontecer.

Infelizmente, nem sempre você vai conseguir aquilo que sonhou: a faculdade dos sonhos, o emprego tão desejado, o sucesso profissional, o casamento perfeito. Sim, sinto muito em lhe informar, mas um belo dia o amor da sua vida vai te deixar sem uma boa justificativa, pessoas que são importantes pra você vão partir para longe, outras nunca mais vão voltar. Você vai nadar, nadar e morrer na praia. Vai correr por horas, treinar dias a fio e no final da corrida, vai cair sem forças ou será ultrapassado a 10 metros da linha de chegada.

Um dia vamos acordar e perceber, que todo o esforço foi em vão, que apenas cansamos nossas almas. Não passamos de crianças órfãs inconsoláveis, abandonados crônicos, carentes por aceitação, aprovação e reconhecimento enquanto milhões de pessoas morrem de fome. Sim, segundo a ONU (dados de 2005), mais de dois milhões de pessoas morrem todos os dias - de fome! Sim, é preciso muito coragem para estar vivo. Porque a vida é feita de aparecimentos e desaparecimentos. De perdas e ganhos. Misérias e alegrias. Nossa vida se resume a freqüentes ausências. E não importa o quão positivo, espiritual, otimista você seja, um dia você vai se cansar, vai querer parar de correr essa maratona e fugir. Mas continue correndo, não fuja. Um dia você vai perceber que o importante não é ter vencido. Se você conseguir apenas atravessar a linha de chegada... aí sim, você alcançou uma grande vitória: a de nunca ter desistido.

domingo, 9 de março de 2008

Trying to breath

Nós não somos capazes de entender porque as pessoas se drogam, porque acabam com suas vidas aos poucos por causa de um prazer momentâneo: injetam, cheiram, fumam... Mas somos capazes de nos destruir com outras drogas. Nos viciamos na companhia de alguém, no prazer que o outro nos proporciona: beijamos, transamos, amamos, desejamos e, mesmo sendo óbvio que esse vício na verdade está nos fazendo mal e que pode nos matar a qualquer instante, insistimos no erro e nos machucamos.

Como controlar os estragos que fazemos a outras pessoas e os estragos que fazem a nós? Às vezes a dor te pega de surpresa, porque às vezes, pensamos que sabemos lidar com o que o que está fora do nosso alcance. Às vezes o estrago é algo que não queremos enxergar. Parece que estamos todos destroçados. Alguns mais que outros. Carregamos marcas desde a infância. E crescemos tentando não adquirir novas feridas. E quanto mais tentamos curá-las, mais machucamos e somos machucados.

Talvez o primeiro passo em direção à “cura real” é saber exatamente onde a “doença” começa. Mas não é isso o que fazemos. Nós somos propensos a esquecer as coisas passadas que nos trouxeram até aqui e ignorar as complicações que podem surgir no futuro por causa do nosso “vício”. Mas o mundo é cheio de armadilhas. E um dia você pensa estar em terreno firme, e de repente o chão se abre debaixo dos seus pés. E te derruba. Você tem sorte se ganhar apenas alguns arranhões, alguma coisa que um “band-aid” possa cobrir. Mas existem feridas tão profundas que requerem bem mais que um curativo rápido. Com alguns machucados precisamos tirar os curativos e deixá-los respirar e dar a eles tempo para se curarem. Isso pode levar algum tempo, dias, meses, anos, uma vida toda.

Pra que isso aconteça logo, talvez seja preciso que deixemos de lado as lembranças. Essa droga chamada lembrança serve apenas para encobrir a perda. É necessário aceitar que perdemos e esquecer, para poder viver o presente. Se preciso for inventaremos uma felicidade idealizada, longe da realidade. Sim, a separação é maior causadora do sofrimento, das feridas que parecem incuráveis. Não existe separação sem sofrimento. O “abandono” sempre vem acompanhado de uma dificuldade de aceitar a realidade, um sentimento de luto. A dor da ausência. O que não podemos é nos separar de nós mesmos, porque “nós mesmos” é tudo o que temos. Talvez seja necessário que a gente se separe de um mundo para poder conquistar outro. Toda separação nos ensina que é impossível ganhar se não aceitarmos perder, o prazer da conquista talvez um dia venha acalmar a dor dessa perda...

sexta-feira, 7 de março de 2008

The end.

Minha participação neste blog está encerrada. Minha inspiração acabou, morreu. I´ts over. Foi bom enquanto durou. Valeu pra quem leu minhas merdas. Beijos e sucesso pra vocês! bjo Dani.

terça-feira, 4 de março de 2008

Vai, vomita!

Você já ouviu alguém hoje? Aposto que não. Definitivamente as pessoas não estão preparadas para escutar (não vou me reter na diferença entre escutar e ouvir, isso complicaria meu raciocínio). Por que temos apenas uma boca? Eu sempre acreditei que Deus nos deu dois ouvidos e uma boca para falarmos menos e ouvir mais. O sábio Criador também nos fez com dois olhos, assim, observando mais o que está ao nosso redor, estaríamos mais preparados para ouvir alguém. Pessoas precisam ser lidas.

“Olá, tudo bem?” – perguntam. Mas ninguém está preocupado se realmente você está bem ou não. Mera formalidade. Já pensou se você responde com um: “Não, não estou bem, minha vida está um caos, quero sumir!”? Certamente quem perguntou vai dar um tapinha no seu ombro, fugir do seu olhar, dizer para você relaxar que tudo vai ficar bem no final, disfarçar e sair de fininho. Sim, porque vivemos em uma época em que tempo é dinheiro – e não dá pra ficar perdendo “tempo” ouvindo as pessoas falarem de seus dramas. Hoje se você fala de seus problemas é negativo, pessimista – e não faz bem conviver com pessoas cheias de dificuldades, passam “cargas muito negativas”.

O negócio é pensar positivo, ser “up”, falar apenas coisas boas. Se sua vida anda complicada recorra à numerologia: troque algumas letras do seu nome e as “vibrações positivas” vão agir ao seu favor. Se não der certo acenda uma vela, faça meditação, mentalize coisas boas. Se tiver alguma dúvida, uma taróloga, por alguns reais, pode te contar o que as cartas “dizem” sobre sua tragédia pessoal. E têm os astros, as estrelas, os videntes, o Google... se vira!

Loucos, malucos, certinhos, caretas, carecas, cabeludos, crentes ou cépticos. Já tive as espécies mais variadas de amigos, mas todos têm uma característica em comum: sabem ouvir. Nos conquistamos assim: falando e ouvindo ao outro. Meu jargão favorito sempre foi: “VAI, VOMITA TUDO!”. Nos cafés da tarde, na desculpa de tomar um vinho, um filme na casa de alguém... No final o bate-papo virava conversa, a conversa um debate, o debate um desabafo, lágrimas e alívio... Amizade pra mim é isso. Amigo é o cara que te ajuda a carregar aquela porra daquela dor que não pára de incomodar. E nem precisa fazer força, nem falar. Basta escutar. Então descobrimos que falar cura. E ser ouvido cicatriza as feridas da alma.

a.mi.go
adj. 1. Que tem gosto por alguma coisa; apreciador. 2. Aliado, concorde. 3. Caro, complacente, dileto, favorável. 4. Dedicado, afeiçoado. S. m. 1. Indivíduo unido a outro por amizade. 2. Colega, companheiro. 3. Amador. 4. Amante, amásio. 5. Defensor, protetor. 6. Partidário, simpatizante. 7. Aliado. Sup. abs. sint.: amicíssimo.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

What do you need?

TODOS OS DIAS, quase o tempo todo, pelos outdoors, na televisão, revistas e principalmente na Internet, milagrosamente, algum pseudo-jornalista, pseudo-médico, pseudo-sexólogo ou pseudo-economista surge com alguma receita mágica para todos os problemas da humanidade. “Veja os 15 hábitos femininos que encantam os homens”. “Saiba por que os homens somem” “Ganhe dinheiro fácil”. “Emagreça rápido e sem esforço”. “Previsões para o seu futuro”. “Fique com o cabelo dos seus sonhos”. “Saiba como ter uma barriga de dar inveja”. “Fale inglês fluente em três meses...”

Caralho, desde quando as coisas são fáceis nessa vida? Vivemos em meio a intermináveis conflitos em um mundo onde o objetivo maior é nos vender sonhos em liquidações de ponta-de-estoque e a resposta para nossas aflições em até 36 meses para pagar. Não é fácil. E nós, pobres seres mortais, nos deixamos levar por essas mentiras baratas... Ok, eu entendo, não é fácil. Hoje você tem que ter conhecimento, independência financeira, controle emocional. Tem que ser sociável, amigável, compreensivo, maduro, saber lidar com as pessoas, saber falar, ouvir, saber as últimas notícias, se o dólar subiu ou caiu. É indispensável falar inglês fluentemente, saber trabalhar em equipe, conhecer novas culturas. Tem que cuidar da saúde, não pode ter celulite, tem que malhar mas não pode exagerar nos exercícios. Precisa ler diariamente, ir ao médico, não pode isso, nem aquilo... Life sucks!!!!!

FUCK!!! Tem dia que cansa. Hoje, a única certeza que tenho é que se quisermos alcançar metade desses requisitos acima e mais os outros incontáveis que nos são exigidos diariamente vamos terminar sozinhos e infelizes! Foda-se a independência feminina, fodam-se o controle emocional, o sucesso profissional, a liberdade... EU preciso do outro para construir algo junto e me realizar, para me tranqüilizar às vezes, e para compartilhar momentos, idéias e desejos. O que eu quero não está à venda na banca da esquina, na concessionária de automóveis ou descrito num holerite avantajado. Não preciso de remédios, atalhos ou fórmula mágica. Hoje eu necessito viver com as qualidades e os defeitos do outro e com as adversidades do mundo. Quero sobreviver às separações e superar as frustrações. Vou encarar a realidade sem narcóticos e livros de auto-ajuda. Que venham os erros, as falhas e as lágrimas. Que venham também os acertos, as alegrias e os sonhos intermináveis. Infelizmente, não há formula mágica. Talvez alguns atalhos nos ajudem. Mas pobre daquele que acha que pode comprar o que não está à venda. Infeliz daquele que ainda não tem PHD para entender o que significam quatro letrinhas quando ficam juntas:
A-M-O-R. Saca?!?

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

O blefador

João era um blefador, a começar por seu nome de família. Apesar de se chamar oficialmente João Pessoa, não morava em capital alguma, mas no interior, tampouco era ou pretendia ser político — muito menos ser assassinado por causa disso, como o homônimo paraibano.

João sabia um pouco de tudo e tudo de nada. Ainda na infância, exibia na parede do quarto três medalhas conquistadas nas equipes de futebol e bola queimada e no judô. A primeira, entretanto, era mérito dos colegas, para quem esquentava o banco. Na segunda, fora bem, embora seu amigo Salvador tenha carregado o time nas costas. A terceira era um prêmio de participação que, no quadro, passava fácil por vitória.

No falar, era mesmo bom. Nem precisava inventar histórias. Apenas contava o suficiente de fatos para que o restante fosse deduzido. Mal deduzido, a seu favor, claro. Falava de temperos e passava por cozinheiro, de estilos de pintura e passava por marchand, de táticas e passava por técnico de futebol, de varietais e passava por enólogo, de havanos e passava por charuteiro, soltava pequenas frases em francês e italiano e já era considerado poliglota. Tinha uma capacidade incrível para ler e assimilar fatos superficiais sobre assuntos dos mais diversos e, assim, com o pouco conhecimento lapidado em comentários certeiros, passava por intelectual.
Não gostava de escrever. Apesar do sobrenome de peso, jamais fizera uma poesia. Preferia o falar efêmero que, com o tempo, poderia até ser aumentado no boca-a-boca. Era conhecido nas rodas por falar somente o necessário. Às vezes, se limitava apenas a fazer um pergunta ao verdadeiro conhecedor do tema. A questão, de tão bem colocada, dava a João ares de sumidade, tanto quanto o do orador ocasional.
Quando uma questão lhe era dirigida, atuava. Costumava fazer longas pausas como se estivesse recalculando as órbitas planetárias, quando, na verdade, as cinco ou seis palavras que soltaria em seguida estavam em sua boca desde início da encenação. Muitas vezes, seus comentários se faziam ininteligíveis, mas seu ar dava o assunto por encerrado e o interlocutor, intimidado, fingia entender. Queria ser pop sem ser popularesco e, por isso, não gostava e não usava ditados populares. Mas foi traído por um deles. Da sorte no amor — com várias e várias mulheres que enganava com lábia vampiresca —, findou no azar do jogo.
Em uma festa que reuniu a fina nata da sociedade (de aparências) de seus recantos, arriscou-se na mesa de poker depois de um chianti. Perdeu dinheiro, perdeu credibilidade, perdeu moral sobre o tecido verde. Era irrefutável: no poker, não sabia blefar.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Ausência

Nunca conheci meus avós paternos, morreram antes de eu nascer. Minha avó materna morreu não faz muito tempo, acho que foi em 2003 ou 2004. Eu gostava dela, mas nunca tivemos uma relação dessas de “avós e seus netinhos queridos”. Ela sempre foi muito doente, sofria de depressão e um monte de doenças que, creio eu, foram causadas pelos muitos medicamentos que tomava. Quando ela partiu me entristeci muito - mas foi mais pela minha mãe, que sofria com sua ausência. Meu avô materno ainda é vivo, mas assim como foi com minha avó, não temos uma ligação forte. Ele foi um homem muito trabalhador, com um coração um pouco frio, mas é uma boa pessoa. Meu avô tem Parkinson e está bem velhinho.

Tenho muitos tios e primos por parte de mãe. Poucos da parte do meu pai. Quando era muito criança, meu tio, único irmão do meu pai, morreu com menos de 30 anos, com um câncer na cabeça. Não tivemos muito contato. Cresci meio distante dos meus primos. Ano passado, em novembro, perdi minha tia, única irmã do meu pai. Foi embora muito cedo também, tinha Chagas. Acho que essa foi realmente a primeira grande perda que sofri. Minha tia era muito amável, nunca se esquecia dos aniversários e sempre dava uma lembrancinha no Natal. Acho que a última vez que a vi foi no Natal de 2006. Quando ela morreu eu estava em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul e nem pude me despedir. Choro toda vez que me lembro dela, sem exceção. Ela foi-se muito cedo e deixou um rombo no meu coração. Passei praticamente 2007 todo em Curitiba enrolada com problemas trabalhistas, estresses por causa de emprego e não fui vê-la uma vez sequer. Isso dói. Eu sempre achava que ela ia melhorar e íamos nos ver novamente no Natal, como era de costume.

Nem sei por que estou escrevendo sobre isso, mas eu precisava. Meu cachorro Willy está com câncer, em fase terminal praticamente. Ok, cachorro não é gente. Talvez seja mais que gente. Há dez anos ele foi parte da nossa família: da hora que acordávamos até a hora de dormir estava por perto, fazendo companhia, pedindo carinho com aquela carinha mais amável do mundo e deixando nossa vida mais suave com sua “fofice”. Quando alguém chorava ele ficava maluco, subia na gente, ficava agoniado. Foi o cão mais amável que se pode imaginar. E logo vai partir e deixar a gente morrendo de saudades e com os olhos marejados, encharcados. Convivi desde criança com os animais e posso dizer: eles possuem uma sabedoria que não há entre animais humanos.

Eu ando bastante triste nos últimos dias. Difícil é não fazer um balanço da vida e ver o que realmente tem um peso eterno. No final das contas, você descobre que pode muito bem viver com muito pouco: pouca comida, pouca roupa, poucos bens, pouco luxo, pouco dinheiro. Difícil é viver sozinho. O foda mesmo é estar longe de quem a gente ama, daqueles que fazem nossa vida ter um sentido, que nos fizeram rir e hoje podemos morrer de chorar por eles. E assim a vida continua. Com muitas perdas e alguns ganhos. E a gente segue vivendo com um buraco no coração, um tijolo no estômago e um eterno nó na garganta chamado saudade.

"Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres,porque a ausência, essa ausência assimilada,ninguém a rouba mais de mim." (Ausência - Carlos Drumond de Andrade)

Ps. Escrevi isso no dia 13. Hoje o Willy nos deixou.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

What if...

Quem nunca ouviu o velho ditado ”nunca deixe para amanhã o que você pode fazer hoje?” Não sei por que temos essa mania de postergar, adiar as coisas que temos que fazer: o médico, a dieta, a academia, o dentista, o casamento, a separação, o pedido de perdão... É claro, tudo tem seu tempo, mas muitas vezes deixamos o tempo certo passar. Talvez a culpa seja do medo, esse sentimento cruel que nos paralisa sem dó. O medo do fracasso, da dor, da verdade, da rejeição... E se errarmos? Se estragarmos tudo? Também podemos consertar, ou pelo menos tentar. Acho que hesitamos demais.

São tantos livros de auto-ajuda, nas revistas pipocam artigos cheios de lições sobre a vida e relacionamentos, teorias filosóficas, teorias familiares, opinião do pai, da mãe, do vizinho, da avó, do melhor amigo... Todos tentam nos alertar e nos ensinar o melhor caminho a seguir. Mesmo assim, muitas vezes, só nos resta ouvir a nós mesmos. Temos que cometer nossos próprios erros, aprender nossas próprias lições.

Hoje me lembrei de um quadro infantil - acho que era no programa do Sérgio Malandro (Rááááá!) -em que as pessoas tinham que colocar a mão numa cumbuca, de olhos vendados, sem saber o que tinha lá. Às vezes tinha bichos, como cobra, sapo, baratas. Outras havia uma gosma verde, lama, ou simplesmente espuma, bolinhas de isopor ou confete. O legal é que no fundo da cumbuca tinha um prêmio. Muita gente nem se atrevia a meter a mão lá, por medo do desconhecido… e ficavam a ver navios.Não tem jeito, temos que parar de adiar decisões e colocar a mão na massa (ou na cumbuca) e aprender que saber a verdade é melhor do que ficar tentando imaginar como poderia ter sido ou como pode ser. Andar é melhor que ficar parado, trabalhar é bem melhor que esperar ganhar na loteria, malhar é mais vantajoso que tentar emagrecer... e por aí vai. E mesmo diante da pior derrota, do irreparável erro, da tristeza de uma decepção... nada é pior do que aquele sentimento vazio de nunca ter tentado.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Seriously

Mais uma vez estou de mudança, mais uma vez de malas prontas. Vai começar tudo de novo, outra vez. Desta vez bem melhor, bons ventos sopram a meu favor. Mudanças, ninguém gosta de mudanças. Por mais que eu diga que gosto de coisas novas, lugares novos... não é fácil deixar amigos, parentes, sonhos, lugares que amamos pra trás. Mas é impossível evitar que elas aconteçam. Elas sempre nos pegam de jeito. E a vida é não dá mole: ou nos adaptamos às mudanças ou nós é que ficamos pra trás. Como não me permito ficar pra trás, já estou de malas prontas pela milionésima vez.

Acho que cresci muito nos últimos dois anos. Crescer dói pra caralho. Quem disser que não está mentindo. Mas admito que às vezes as mudanças fazem bem, às vezes as mudanças são tudo o que precisamos. Chega um dia em que a vida se coloca à nossa frente como um cardápio. Temos que fazer uma escolha. Ou optamos por algo que já provamos - “o de sempre” - ou experimentamos o desconhecido, o inesperado. Eu sei, é bem mais fácil andar na margem de segurança, não arriscar: nosso passado nos atropela com velhas lembranças. O que já vivemos nos guia, nos molda, nos acovarda algumas vezes, nos encoraja em outras. Feridas que já deveriam estar cicatrizadas às vezes voltam a doer. Nossa história ressurge hora após hora. Então nessa hora precisamos parar e lembrar: que a história mais importante é que estamos vivendo hoje.