domingo, 18 de setembro de 2011

Ler com os ouvidos


Estou lendo com os ouvidos.
Será que isso é bom?

Sou um amante da palavra no papel.
Aliás, os meios eletrônicos e até a e-ink do Kindle valem, mas os livros... bom, livros são livros.
Fico até meio desconfiado de quem escolhe não ler, sabe? Gente que estudou, que teve os meios, o acesso, mas que olha para um livro e diz que é muita coisa pra ser lida. Preguiça mental.

Por isso nunca havia ido atrás de um audiolivro. Pensei até arrumar algum pra ouvir preso no engarrafamento, mas ainda fiquei com a música mesmo (até porque ficar preso no trânsito não é algo, assim, que me acontece com regularidade). Agora, por causa do novo trabalho, em que falar, ouvir e escrever em inglês não só é necessário como é rotina, resolvi deixar o ouvido mais apurado. Como? Decidi pegar um audiolivro em inglês.

A princípio, fiquei meio ressabiado, com receio de "estragar" a experiência de um bom livro na voz de alguém o lendo para mim. Mas também não podia pegar qualquer livro. Já que eu vou ter que ler, mesmo que com os ouvidos, que seja um bom livro.

A escolha foi meio que natural. "Ice Cold", novo livro de Tess Gerritsen, autora que me conquistou nos últimos anos e que já citei aqui. Não o encontrei ainda em português e acho que ainda não foi traduzido. Botei os arquivos em um MP4 e comecei a ouvir no fretado, no caminho de ida e volta ao trabalho. E querem saber a verdade?

É uma experiência fantástica.
Ok, escolhi uma autora que gosto e com uma história muito bem contada (estou escrevendo aqui com vontade de estar "lendo" mais um pouco). Mas entendo que contribui muito para isso o excelente trabalho de Tanya Eby, narradora que descobri ter emprestado sua voz à leitura de dúzias de livros.

O trunfo de Tanya é agir naturalmente como narradora quando a voz é a do... narrador!, mas dar pequenas e diferentes impostações e entonações na voz quando os personagens falam. Ela não precisa da habilidade de Chico Anysio ou Tom Cavalcanti para criar dezenas de vozes diferentes. Com nuances da sua própria voz, consegue dar identidade a cada um deles, a ponto de eu já saber quem está falando já no início da frase.

De quebra, meu objetivo inicial foi alcançado. No primeiro dia, precisei me concentrar bastante para entrar na história. No segundo, já me peguei observando a paisagem entre Jundiaí e Hortolândia distraidamente, sem perder o fio da meada. No terceiro, era como se estivesse ouvindo em português. E o hábito de ler com os ouvidos foi ganhando espaço. Deixou de ser algo reservado apenas ao fretado para substituir meu antigo costume de ler antes de dormir. A diferença é que pude fazer isso com a luz apagada na noite passada.

E, no fim, descobri que ler com os ouvidos pode ser delicioso. Uma experiência que não é melhor nem pior do que um livro escrito, simplesmente porque elas não podem ser comparadas. São diferentes.

É verdade que, se eu tivesse que escolher entre ler Ice Cold com os olhos ou com os ouvidos, escolheria com os olhos. Mas não dispensaria mais com os ouvidos.

Nenhum comentário: