terça-feira, 11 de setembro de 2007

A carta

"Quero receber uma carta sua".
Do outro lado do cabo, Patrick estancou. Ele vivia a trocar e-mails com Sheila. Os dois viviam a cerca de 400 quilômetros de distância.
Mas.... carta?
Sheila insistiu. Disse que só havia trocado cartas com amigas, quando a internet ainda não era assim tão popular. Faltava-lhe uma carta romântica. Em si, ela sabia que queria muito mais. Não contou a Patrick, mas queria ver sua letra, queria saber se ele abandonava aquela ciberlinguagem ao escrever manualmente, queria sentir o cheiro do papel (ou do perfume nele aplicado). Queria, sobretudo, ter um pedacinho de Patrick na forma de escrita.
Os dois haviam se conhecido em um congresso de música. Ambos são pianistas. Em três dias haviam trocado muitos olhares e poucas palavras. Nos últimos minutos, ele saiu de sua conchinha de timidez e conseguiu falar, pouco melhor que um balbucio, algo como "triste de ir embora sem um beijo seu". Mas não foi. A frase foi o suficiente pra Sheila perceber que teria de tomar a atitude. Um beijo. Só um.
Depois as conversas continuaram por e-mail. Ele com 18 anos. Ela, 19. Para Sheila, o romance era interessante, mas não afetava suas baladinhas. Patrick, mais tímido, se agarrou àquele inesperado affair virtual.
A crise veio quando quando Sheila contou que havia ficado com um rapaz qualquer em um lugar qualquer. Coisa boba, que se vê toda noite. Patrick sabia que não havia compromisso entre eles, mas se sentiu traído. Talvez porque gostasse mais de Sheila do que imaginava. Ela achou a reação exagerada e ficou brava. Ele também achou que ela estava exagerando.
Patrick sumiu da internet.
Sheila continuava a acessar, mas mais por vício que por Patrick. Em menos de uma semana, sentiu falta dele. Mandou um e-mail... perguntou se ele não apareceria online de novo. Dois dias se passaram sem respostas. Ela clicou novamente em "redigir" e ficou olhando para o cursor pulsante, pensando o que escrever. Quando enfim teve uma idéia, foi interrompida por seu pai.
"Filha, chegou uma carta pra você".
A explosão de sentimentos fez com que ela movesse a mão involuntariamente. O mouse caiu pela lateral da mesa. Ela nem fez menção de recolhe-lo. Pegou o envelope da mão do pai e confirmou sua expectativa. Era uma carta de Patrick.
Correu para o quarto e tentou abrir a correspondência, ao mesmo tempo rápido e com cuidado. Acabou fazendo um bom rasgo no envelope e puxou seu conteúdo. Uma única folha de fichário. Bem adolescente.
Desdobrou o papel e se deparou com uma estampa do desenho "South Park" de fundo, com um dos personagens tendo seus olhos arrancados por outro. Não teve nem tempo de pensar que aquilo era inadequado. Megulhou na leitura das letras escritas com uma caneta azul-bic
qualquer, com caligrafia de dar inveja a qualquer médico. "Não importa a caneta, mas o que ela escreve", diria Sheila mais tarde.
Ele estava chateado com a briga. Estava chateado também que ela havia ficado com outro "carinha", como escreveu. Mas revelava que estava apaixonado, que quase havia sido atropelado porque não conseguia se concentrar. Escreveu ainda parte de uma letra de música da moda. Ah! Também teve uma solução criativa para a incombinável estampa: "Tô tão perdido que tô a ponto de arrancar meus olhos porque não posso te ver todo dia", escreveu.
Sheila não chorou. Mas ficou atônita. Certamente adorou.
O contato foi reaceso pela internet, mas a distância era problema. Patrick conheceu outra garota, uma que podia ver todos os dias e por quem não precisaria arrancar os olhos. Pensou em escrever uma carta para Sheila e contar. Escreveu um e-mail mesmo. Ela não se abalou muito, pois já estava perto de namorar o "carinha" com quem havia ficado.
Muitos olhares, um beijo, vários e-mails e uma carta. A relação ficou nisso.
Até hoje Sheila guarda a correspondência que recebeu de Patrick em uma cesta, junto com bilhetes de amigas que marcaram e objetos que lhe têm valor sentimental.

2 comentários:

Unknown disse...

JUST UNREAL!!!!!
AHEUHAUEHIAHEUAHEIHAUIEHIUAHIHEAIU

Thaís disse...

A passagem dos olhos e a figura do South Park me lembraram uma frase nada a ver com o assunto, mas que eu vi certa vez em uma aula de pós graduação em gestão de RH:

“Eu tomarei meus olhos e os colocareis no lugar dos teus. E tu tomarás teus olhos e os colocará no lugar dos meus. E eu te olharei com teus olhos e tu me olharás com os meus”.

Ele falava sobre a necessidade de se colocar no lugar do outro para o entender melhor. Nada a ver com o assunto do post, mas achei que valia o registro. Quem sabe não vira inspiração para um próximo?

Abraços e boa semana!